Na área interna do prédio da Associação Comercial de Pernambuco (ACP), localizado na Praça do Marco Zero, no Centro do Recife, há um conjunto de vitrais franceses do início do século 20. As janelas coloridas e de tamanhos variados retratam atividades produtivas como o plantio, colheita e transporte do café, açúcar, cacau, banana, algodão e borracha. Castigados pela maresia, vento e poeira, os vitrais da ACP estão sendo retirados das paredes para uma delicada obra de restauração iniciada há dois meses e prevista para terminar em abril de 2020.
As peças, 20 no total, decoram o primeiro e o segundo andar da edificação de arquitetura eclética (mistura de vários estilos) inaugurada em 1915, na época da modernização do Bairro do Recife, inspirada na reforma do Porto. Por razões econômicas, serão recuperados 15 vitrais. “Definimos uma ordem de prioridade e escolhemos aqueles em pior estado”, informa a arquiteta Magda Rosa, uma das coordenadoras da obra de restauração executada pelo Estúdio Sarasá Conservação e Restauro, empresa com sede em São Paulo e filial na capital pernambucana.
Cinco vidraças já foram removidas e desmontadas para serem lavadas com detergente e lã de aço. Antes da limpeza é preciso tirar o molde da peça. O desenho serve de guia para o restaurador encaixar no lugar certo os pedaços de vidro que formam o vitral. É um processo que demora duas semanas por janela, desde a retirada até a colocação do vitral de volta na parede, independentemente do tamanho da peça, diz Luciano Teixeira. Ele veio do Estúdio Sarasá de São Paulo para fazer a montagem dos vitrais na ACP.
O serviço contempla a substituição das tiras de chumbo oxidadas que conectam os mosaicos e a reposição de materiais destruídos. A equipe identificou cerca de 20% dos vidros quebrados. Todos os vitrais da ACP são confeccionados com vidro artesanal importado e produzido para esse tipo de arte, afirma Antônio Sarasá, coordenador de restauração do Estúdio. Em intervenções passadas, possivelmente, parte dos vidros foram substituídos por produto nacional. “Vamos trocar pelo material importado, Alemanha e Bélgica são os grandes fornecedores”, diz ele.
Enquanto a cartela de cores do vidro importado tem uma infinidade de tons, a versão nacional apresenta apenas quatro cores, observa Luciano Teixeira. “A textura e a maleabilidade também são diferentes, é mais fácil dar o corte e fazer curvas no vidro importado porque o nacional é mais rígido”, destaca Magda Rosa. O Estúdio Sarasá instalou uma oficina no segundo pavimento da ACP, em agosto, para fazer a restauração dos vitrais.
“Essa é uma obra que permite o resgate de técnicas tradicionais. Montar um vitral pode ser comparado a um trabalho de joalheria, pela delicadeza”, ressalta Antônio Sarasá. A produção do vidro, segundo ele, é a mesma de milhares de anos. “O vidro não é pigmentado, é contaminado por sais, a cor amarela é obtida por sais de prata”, exemplifica.
Inicialmente usados em igrejas para ilustrar cenas bíblicas, os vitrais assumiram função evangelizadora durante a expansão do catolicismo. “Eram livros de luz, o efeito da luz solar no vitral ajudava a sensibilizar o espírito”, comenta Antônio Sarasá. “É uma arte que passa por momentos de sombra, como no período barroco, e de luz, como na belle époque. Hoje, não há produção artística de vitral”, declara.
Os 15 vitrais da ACP, depois de restaurados, terão uma proteção de vidro contra sujeira e ventania. “Também vamos criar caixilhos para 13 peças que estavam encaixadas direto na parede”, diz Magda Rosa. “Vitrais, naturalmente, são presos a caixilhos que dão estabilidade e auxiliam a distribuir o peso da peça. Isso dá uma resistência maior e evita que a vidraça comece a criar barriga (entortar). Esses caixilhos é que são fixados na parede”, explica.
Orçado em R$ 109 mil, o projeto foi apresentado pela Associação Amigos do Museu da Cidade do Recife e aprovado pelo Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura), informa a coordenadora-geral, Dora Dimenstein. A iniciativa faz parte do programa Museu fora de Portas. “Estamos contribuindo com a restauração de monumentos do Recife, é importante e esperamos apresentar outros projetos”, afirma Betânia Corrêa de Araújo, diretora do Museu da Cidade.