“Quem cura tudo é o amor.” Essa é a conclusão do advogado Miguel Silveira, 48 anos, dois anos depois do acidente que interrompeu três vidas na Tamarineira, Zona Norte do Recife, quando um motorista alcoolizado bateu contra o carro que dirigia. Sua esposa, Maria Emília Guimarães, com 39 anos, o filho Miguel Neto, 3, e a babá Roseane Maria de Brito, 23, grávida de três meses, não sobreviveram à tragédia. Mas Marcela, a filha mais velha do casal, hoje com 7 anos, contornou as previsões médicas iniciais e ensina à família uma lição de esperança.
É ela quem dá forças ao pai. “Eu digo que eu sou quem ela segura com os dois braços. Mas nas costas dela têm tias, primas, os avós”, emociona-se. “Ela mostra para a gente que a esperança não acaba com isso aí não. Esse acidente não vai tirar nossa esperança de trilhar nosso caminho, de fazer o bem, de desejar o bem. De ir em busca de uma vida correta, uma vida de amor”, conta.
De lá para cá, o progresso no quadro da menina é significativo. Quando Marcelinha chegou ao hospital, com uma grave lesão craniana, as expectativas não eram boas. “Se eu fosse levar em consideração o que eu lia vendo o diagnóstico dela, o que eu lia e o que ela é hoje, é praticamente impossível. Marcela é um milagre. Uma vitoriosa”, afirma Miguel. No início do ano passado, não conseguia segurar o pescoço, não tinha olhar fixo, e a parte direita do corpo tinha os movimentos comprometidos. “Ela hoje fica em pé, segurando em alguma coisa. Já consegue dizer o não, contextualizado”, lista. “Ela assiste a filmes – gosta muito de desenhos – já segura alguma coisa com a mão direita, já começa a dar os primeiros passos voluntariamente quando está em pé, e a tendência é que isso vá evoluindo”, relata.
O caminho de recuperação é cravado de conquistas. Em junho, a menina voltou a frequentar a escola três vezes por semana. Em agosto, passou a ir todos os dias. Semana passada participou da cerimônia do ABC, momento que dividiu com os amiguinhos da turma com quem estuda desde que era menor. “Ela não fala e a gente não sabe até onde ela tem a cognição. A alfabetização dela vai ficar um pouco mais pra frente, mas a festinha vai ser em com Marcela por um pedido do pessoal da sala – e porque ela merece também.”
Em casa, a dedicação à filha é total. Ele relembra da esposa, que também foi uma mãe presente. “Nem minha própria mãe foi tão boa quanto ela para os filhos. Mila vivia intensamente para as crianças, e, consequentemente, eu também”, diz. “Com esse acidente, a forma de vida que eu tenho que levar agora é ajudando Marcela da melhor forma que eu puder. E a melhor forma é estar do lado dela. Eu não tenho capacidade de assumir compromisso de horário, de viagens, de praticamente nada que possa me ausentar em casa”, explica.
Miguel ainda acompanha alguns processos do escritório de advocacia em que é sócio, mas conta que a vida profissional está “meio parada”. O momento em que cuida de si é na academia. “É o que tem me ajudado a sair da condição de tristeza, a dormir melhor e a ter uma condição de saúde melhor.”
O amor, que Miguel diz ter poderes e que transparece no cuidado, também transborda no olhar da filha para o pai. Quando o encontra, Marcelinha não contém o sorriso.
Para o próximo ano, Miguel já faz planos. Na esperança de uma evolução ainda maior, planeja levá-la a Espanha para experimentar um novo tratamento com células-tronco e hormônio do crescimento.
Esta noite, uma missa será celebrada em homenagem às vítimas. Às 19h na capela de Santa Terezinha, na Rua de Baixa Verde, bairro do Derby, área central da capital.
Dois anos depois da colisão, o condutor do veículo causador do acidente permanece detido no Cotel. João Victor Ribeiro, 27, foi preso preventivamente no mesmo dia. O jovem responde por triplo homicídio doloso, quando há a intenção de matar, e por lesão corporal dupla grave.