Desde a fachada caiada de azul, na rua sem calçamento, o prédio que abriga o Bloco Carnavalesco Misto Batutas de São José espelha ausência e silêncio. Não há nada que identifique a sede, inaugurada, no bairro de Afogados, em 1998. O local precisa de reforma, não tem licenças nem alvarás para funcionamento. Lá dentro, no salão quase vazio, apenas três integrantes do bloco, todas mulheres, se dispuseram a confessar as dificuldades enfrentadas. “A única coisa que a gente tem que dizer é que Batutas faliu”, resume Severina Ramos, vice-presidente do bloco, que não estará nas ruas do Recife neste Carnaval 2019.
Fantasias que enfeitaram passarelas e alegraram brincantes estão hoje guardadas em grandes sacos, numa sala fechada no prédio sede. O mesmo espaço abriga também a materialização das glórias da agremiação: são diversos os troféus conquistados. “Entrar aqui e ver tudo embalado dá uma tristeza”, confessa Lígia Mendes, uma das diretoras.
Em 2013, emocionada, ela passou mal na passarela enquanto desfilava. Ficar longe do Carnaval não é fácil para Lígia. “Já desfilei de bengala, com gesso na perna, numa cadeira de rodas...” E completa: “Não bebo, não fumo, não danço. Mas Carnaval pra mim é tudo. E amo o Batutas”.
Lígia é também a atual responsável pela contabilidade da agremiação. Mas nem ela nem nenhum dos integrantes consegue cravar o tamanho real dos débitos. Dívidas com três ex-garçons, resultados de processos trabalhistas que correram à revelia, somam cerca de R$ 170 mil. A conta de IPTU somaria quase R$ 800 mil. E há mais débitos com o Corpo de Bombeiros. “Deve chegar a R$ 1 milhão”, arrisca Severina, a atual vice-presidente.
O dinheiro arrecadado pelo grupo, quando havia festas na sede, era confiscado. Eles também não receberam o último prêmio conquistado, no Carnaval de 2017. “Não recebemos a cota da prefeitura, o prêmio também foi desviado pra pagar os garçons da questão na justiça. Todo o dinheiro que entra é confiscado. Hoje Batutas deve a costureiras, músicos da orquestra, aos garçons. Deve a Deus e todo mundo”, sintetiza Severina.
“Os hinos de Batutas abrem o Carnaval do Recife. É um bloco que tem tradição, história. É muito triste ver tudo assim”, reforça Cristiane Gomes, também da direção. “É doloroso.” Filha de João Cristiano Gomes, o Joca de Batutas, que morreu em 2013, ela relembra a intimidade da família com o bloco: “Meu pai me ninava com os hinos de Batutas”. Revela ainda que seu Joca, que morreu em 2013, priorizava sempre a agremiação: vez ou outra faltava comida para os 24 filhos - o dinheiro de seu Joca tinha ido para o Batutas.
Cristiane rememora também os tempos de salão cheio, quando autoridades, artistas e políticos frequentavam o local. “Queria que o prefeito, as pessoas que amavam o bloco, que viviam aqui, se lembrem de Batutas de São José. Que não deixem esse bloco tradicional morrer”, apela. “Que a gente não fique só na história, sendo cantado pelo Bloco da Saudade, como algo que já passou.”
O passado de Batutas é glorioso. “Eu quero entrar na folia, meu bem/ você sabe lá o que é isso/Batutas de São José, isso é parece que tem feitiço”, são versos de João Santiago, um dos grandes do Carnaval e da cultura de Pernambuco. Levino Ferreira, Edgard Moraes e Nelson Ferreira também passaram pela agremiação.
Fundado no Pátio de São Pedro, em 5 de junho de 1932, o Bloco Carnavalesco Misto Batutas de São José nasceu como dissidência do Batutas da Boa Vista. Durante anos a fio, ostentou o título de “o mais antigo bloco carnavalesco misto em atividade ininterrupta do Recife”.
Os integrantes que seguem resistindo têm muitos sonhos: tentam que Batutas de São José seja reconhecido como Patrimônio Vivo de Pernambuco, o que garantiria uma renda fixa mensal. Querem voltar a ver o bloco na avenida. Querem dançar e cantar pelas ruas, novamente, os versos do frevo-canção “não deixem morrer Batutas/não deixem Batutas morrer”. É Severina quem finaliza: “Batutas não vai morrer. Até porque Deus vai estar conosco. Eu sei que Deus não é carnavalesco, mas vai estar conosco”.