Sotaque gringo nos maracatus de Pernambuco

A presença de estrangeiros tocando nos grupos extrapola os dias de Carnaval. É paixão que dura o ano todo e rende muitos frutos
Ciara Carvalho
Publicado em 16/02/2020 às 9:05
A presença de estrangeiros tocando nos grupos extrapola os dias de Carnaval. É paixão que dura o ano todo e rende muitos frutos Foto: Foto: Léo Motta/JC Imagem


Um ano inteiro se preparando, lá do outro lado do mundo. Vendo vídeos dos ensaios, ouvindo áudios, estudando. Tudo para fazer bonito e sentir a emoção de tocar em uma nação de maracatu. A japonesa Megumi Suzuki, 40 anos, foi apresentada ao Carnaval do Recife no ano passado. Veio, viu, curtiu, mas não se sentiu preparada para fazer parte do time de batuqueiros. Dessa vez, será diferente. Recém-chegada às terras recifenses, ela está contando as horas para a folia começar e poder viver, em suas palavras, “uma experiência única de vida”. Não estará sozinha. Ingleses, franceses, canadenses, africanos, holandeses. Não falta sotaque gringo no batuque dos maracatus. Uma presença que extrapola os dias de Momo. O interesse dos estrangeiros em participar de uma das maiores expressões culturais de Pernambuco é paixão que dura o ano todo e gera um intercâmbio que tem espalhado muitos frutos. Aqui e em várias partes do mundo.

“É quase impossível descrever a sensação de tocar no maracatu. Vai além dos tambores. É a energia, a força, a espiritualidade. Só entende quem vive essa experiência”, derrete-se a canadense Sarah Martin, 42, que estará nas fileiras dos batuqueiros do Maracatu Nação Estrela Brilhante do Recife. Sarah se deparou com os primeiros batuques do maracatu em Toronto, onde mora. A afinidade foi tanta que ela decidiu conhecer de perto a musicalidade do grupo pernambucano. Não só conhecer e tocar, mas fazer parte do dia a dia da comunidade.

Sarah alugou uma casa no Alto José do Pinho, bairro da Zona Norte da capital, que abriga a sede do Estrela Brilhante. “É um aprendizado completo. Não só da realidade socioeconômica dos moradores, totalmente diferente da minha, mas também do calor humano, do acolhimento das pessoas, da riquíssima cultura que move a comunidade”, diz a canadense, completamente ambientada com a vizinhança.

De todas as apresentações que fará acompanhando o maracatu durante o Carnaval, Sarah acredita que a participação na Noite dos Tambores Silenciosos será a mais especial. “Sinceramente, cada vez que toco com o Estrela Brilhante é incrível. Mas estou muito ansiosa por esse momento. Sei que será inesquecível”, diz.

O britânico Andrew Bridges, 40, nem consegue eleger o que será o seu “momento mais especial” do primeiro Carnaval tocando com os batuqueiros do Nação Maracatu Porto Rico. “O que importa é poder conhecer de perto, participar, estar aqui para fazer parte da força de um maracatu verdadeiro e de toda a tradição que ele carrega.”

CULTURA FORA DO PAÍS

À frente do batuque do Maracatu Estrela Brilhante do Recife, o mestre Fabinho diz que o intercâmbio com estrangeiros vai muito além de aprender a tocar os instrumentos para desfilar no Carnaval. “Eles fortalecem a nossa cultura fora do País. Somos convidados para dar oficinas no exterior e levar a força do maracatu para interagir com outras culturas. É um pedacinho de Pernambuco espalhado pelo mundo”, afirma.

A troca de experiências carrega também um forte componente de transformação social. “A possibilidade de nossos jovens batuqueiros viajarem, de conhecerem outras realidades, melhora a autoestima da comunidade e cria uma referência muito positiva de futuro, traz a perspectiva de melhoria de vida, a partir da vivência cultural”, reforça o mestre do Estrela Brilhante.

Com mais de 20 anos de intercâmbio com grupos de estrangeiros, o Nação Maracatu Porto Rico já espalhou suas sementes por diversos países. “Fazemos parte de um projeto em Tóquio, no Japão, e, no ano passado, formamos grupos na China, Taiwan e Coreia do Sul”, conta o mestre Chacon, que comanda os batuqueiros do Porto Rico. Ele é o segundo pernambucano e o quinto brasileiro a participar do Festival Mestres do Mundo, que ocorre no fim de agosto, em Nanto, no Japão.

“É uma honra para nós, povos de terreiro e de axé, expandir a força do maracatu para além de Pernambuco. E os nossos parceiros estrangeiros levam muito a sério não só a questão percussiva como também a religiosa. Eles pegam todas essas experiências e assimilam na realidade deles”, aponta. Dos cerca de 200 batuqueiros que tocam no Porto Rico durante o Carnaval, quase 30 são estrangeiros.

O canadense Alexander Bordokas, 44, construiu uma relação com o Maracatu Estrela Brilhante do Recife que já soma quase 20 anos. “É muito mais do que a percussão. Envolve tradição, religiosidade, uma identidade africana e uma história de muita resistência”, destaca. Com tantas trocas e experiências ao longo dos anos, o mestre Fabinho diz que muitos dos batuqueiros estrangeiros já nem são mais vistos como “de fora”. Viraram “de casa”. E é exatamente assim que eles se sentem.

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