A tragédia da manhã de ontem – quando cerca de 500 famílias da Vila Santa Luzia, no bairro da Torre, Zona Oeste do Recife, perderam as casas em decorrência de um incêndio – é resultado direto do déficit habitacional de 70 mil moradias na capital. Afinal, morar de forma indigna em ocupações irregulares, onde a regra é o amontoado de madeira, plástico e fiação elétrica improvisada, significa conviver com a sensação de um desastre iminente.
As chamas na Vila Santa Luzia provocaram pânico entre os moradores. Por volta das 10h, o fogo começou a destruir os barracos. Integrantes da Guarda Municipal precisaram quebrar vários trechos do muro da Escola Estadual Creuza Barreto Dornelas Câmara, para que as pessoas pudessem escapar das chamas. “Eu estava dormindo no meu barraco e acordei com um calor grande. Quando vi, já era o incêndio. Se eu tivesse demorado um pouco mais, talvez tivesse morrido”, contou o desempregado Raílson Henrique, que morava sozinho na comunidade. A casa dele foi a terceira a pegar fogo.
A Vila Santa Luzia é um clássico exemplo de como o poder público não consegue acompanhar a demanda por moradia na cidade. Barracos de madeira (a maioria) e de alvenaria (poucos) se espremiam em uma área de 3,2 mil metros quadrados de mangue à beira do Rio Capibaribe. A ocupação tem cerca de sete anos. A poucos metros dali, na mesma margem, fica a área que um dia foi a comunidade conhecida como Abençoada por Deus, removida em 2008 para um conjunto habitacional com o mesmo nome, no bairro da Iputinga. Hoje, já há vários barracos no local.
Entre as causas do incêndio de ontem especula-se um descuido de algum morador com uma panela ao fogão ou até mesmo a queda de um fio de energia sobre as casas. Somente o resultado da perícia que será realizada pela Polícia Científica poderá identificar a origem do fogo. O Corpo de Bombeiros foi acionado às 10h11 e às 10h24 já estava no local com 50 militares e 10 viaturas, entre carros de combate a incêndio, caminhões-pipa e veículos de resgate. As chamas foram controladas por volta das 12h.
A prefeitura montou um esquema emergencial com funcionários das Secretarias de Defesa Civil, Saúde, Assistência Social, Guarda Municipal e Companhia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU). As famílias foram atendidas nas dependências da Escola Creuza Barreto e houve momentos de tensão e tumulto por volta de 13h. Muitas pessoas forçaram os portões de entrada, na tentativa de serem atendidas no cadastramento que a prefeitura fazia para futuro encaminhamento a programas habitacionais. Ainda não há previsão de realocar as famílias.
Segundo a Secretaria de Comunicação da Prefeitura do Recife, o resultado do cadastramento de ontem será cruzado com um banco de dados que já existe nas Secretarias de Habitação e Saneamento. O objetivo é evitar que pessoas de outras comunidades, e que não perderam casa no incêndio, se aproveitem da situação para receber benefícios.
Pelo menos na noite de ontem, as famílias que não tinham para onde ir puderam ficar no abrigo municipal da Travessa do Gusmão, no bairro de São José, Centro do Recife. “Abrigo é sinônimo de esquecimento. Deixam você lá por um dia, depois dois. Quando você vê, está lá, esquecido”, conta o serralheiro Emílio Alexander, um dos primeiros a ir morar na vila, há sete anos. “Hoje (ontem) à noite, vamos ver o que fazer. Mas a partir de amanhã (hoje), precisamos de respostas concretas”, completa.
Ao longo do dia de hoje será realizado um mutirão para a retirada da segunda via de documentos dos moradores da Vila Santa Luzia. A prefeitura disponibilizou a sede do Instituto de Assistência Social e Cidadania (Iasc), no bairro de São José, para a entrega de donativos ao desabrigados.