Pressão para indiciamento por tentativa de feminicídio

Entidades que combatem a violência contra a mulher criticam a possibilidade de a Polícia Civil indiciar homem que jogou ácido sulfúrico na ex-companheira por agressão leve
Roberta Soares
Publicado em 12/07/2019 às 12:25
Entidades que combatem a violência contra a mulher criticam a possibilidade de a Polícia Civil indiciar homem que jogou ácido sulfúrico na ex-companheira por agressão leve Foto: Foto: Bruno Campos/TV Jornal


A decisão da Polícia Civil de Pernambuco de manter a investigação da agressão com ácido sulfúrico sofrida por uma jovem de 19 anos como uma simples lesão corporal grave tem sido duramente criticada por diversas entidades que combatem a violência contra a mulher. Para representantes dessas entidades, a agressão deve, sim, ser tipificada criminalmente como uma tentativa de feminicídio, o que elevaria a pena do autor confesso do crime, o ex-companheiro da vítima e agente de saúde William César dos Santos, 23 anos. A jovem está internada em estado grave na UTI dos Hospital da Restauração, no Derby, área central do Recife, com 38% do corpo com queimaduras de segundo e terceiro graus depois que o ex-companheiro a agrediu com a ajuda de um amigo, no dia 4 de julho, em Nova Descoberta, bairro da Zona Norte da capital.

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Uma das vozes mais críticas ao posicionamento da Polícia Civil é o Instituto Maria da Penha. Sócia-fundadora e vice-presidente da entidade, Regina Célia defende que não há dúvidas de que o caso da jovem foi uma tentativa de feminicídio. “A polícia estará cometendo um grande equívoco se indiciar o autor pelo crime de lesão corporal. Ela precisa rever esse entendimento. É um caso extremamente grave e que não deixa dúvidas de que o ex-companheiro queria matá-la”, afirmou. Regina Célia destaca, ainda, as consequências de um indiciamento equivocado da polícia. “Vai alterar significativamente o processo quando chegar à Justiça. Não estamos falando de uma lesão grave. Estamos tratando de um caso de destruição. Ele queria destruir a ex-companheira por um sentimento de posse”, disse.

A polícia estará cometendo um grande equívoco se indiciar o autor pelo crime de lesão corporal. Ela precisa rever esse entendimento. É um caso extremamente grave e que não deixa dúvidas de que o ex-companheiro queria matá-la", Regina Célia

Presidente da Comissão da Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE), Fabiana Leite é mais uma voz a criticar o possível indiciamento por lesão corporal grave ou até mesmo gravíssima. Na opinião da advogada, o correto é a tentativa de feminicídio pelo dolo eventual (quando a pessoa não quer matar, mas adota atitudes que levam a isso). “Diante do que foi exposto pela polícia e temos visto na mídia, há elementos, sim, para identificar a tentativa de feminicídio pelo dolo eventual. Embora não quisesse matá-la, como ele alegou e a polícia entende, o autor não jogou o ácido e correu. Ao contrário, premeditou o ato de tal forma que pediu a ajuda de um amigo para segurá-la enquanto a agressão era praticada. Ele foi com um co-autor. Além de todo o contexto de agressão doméstica verificado. Isso, no meu entendimento e considerando o que foi divulgado até agora, fundamenta a tentativa de feminicídio”, afirmou. A jovem teve uma leve melhora, mas o quadro ainda é grave e há risco sério de perder a visão.

INQUÉRITO

Ontem, o secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua, saiu em defesa da investigação e dos encaminhamentos adotados pela delegada do caso, Bruna Falcão. “O inquérito ainda não foi finalizado. Estão sendo ouvidas testemunhas e aguardados laudos periciais para só assim se concluir se houve uma tentativa de feminicídio ou uma lesão grave”, ponderou. Ao ser questionado se a gravidade dos ferimentos da vítima e o histórico de agressão do autor não eram suficientes, Pádua alegou que a polícia precisa de materialidades. “A polícia trabalha trazendo provas técnicas para dentro do inquérito. Se ela não conseguir, poderá não haver uma condenação no futuro. Por isso é tão importante esperar a conclusão do inquérito”, disse.

A delegada Bruna Falcão afirmou que hoje estará concluindo o inquérito. Durante coletiva após a prisão do autor confesso, a delegada informou que o caso, até aquele momento, seguia sendo investigando como uma lesão corporal grave. Para a delegada, os três boletins de ocorrência registrados pela vítima na Delegacia da Mulher – dois deles por agressões físicas que teriam sido praticadas pelo suspeito e pela atual companheira dele – entre o primeiro pedido de socorro feito à polícia e a comunicação da medida protetiva expedida pela Justiça, não eram suficientes para tipificar o crime como tentativa de feminicídio. A policial buscava uma testemunha que confirmaria a intenção de William de tirar a vida da sua ex-companheira.

RELEMBRE A COLETIVA DA POLÍCIA CIVIL SOBRE O CASO

Apesar da sucessão de agressões físicas, ameaças de morte e da gravidade dos ferimentos provocados no rosto e corpo de uma jovem de 19 anos, agredida com ácido sulfúrico pelo ex-companheiro e pai de seu filho de dois anos, na semana passada, a Polícia Civil de Pernambuco segue investigando o caso como uma lesão corporal grave, crime que pode resultar numa pena de prisão de um a cinco anos. A afirmação foi feita pela delegada do caso, Bruna Falcão, durante entrevista coletiva na manhã do dia 9/7, um dia depois de o autor confesso do crime, o agente de saúde William César dos Santos, 23, se entregar e afirmar à polícia que não pretendia matar a ex-companheira, apenas dar um susto jogando a substância corrosiva em seu rosto e corpo.

Segundo a delegada, ainda não há “materialidade” para sequer enquadrar a agressão como gravíssima, o que elevaria a pena do suspeito de dois até oito anos de prisão. A mesma dificuldade está sendo enfrentada, também na explicação da policial, para vir a indiciá-lo por tentativa de feminicídio. Nesse caso, a possível punição para William César seria maior: de 12 a 30 anos, com redução de um a dois terços da pena. Ou seja, ele poderia, caso condenado, pegar uma pena de até 20 anos de prisão. Na manhã do dia 9/7, familiares e amigos da jovem realizaram um protesto em Nova Descoberta, na Zona Norte do Recife, onde a vítima reside e aconteceu a agressão, exatamente para contestar o enquadramento do caso como uma simples lesão corporal grave. Exigiram o indiciamento por tentativa de feminicídio.

Segundo a delegada, ainda não há “materialidade” para sequer enquadrar a agressão como gravíssima. O mesmo acontece com a tentativa de feminicídio.

A jovem está internada em estado grave na UTI do Hospital da Restauração, com risco de morte e chances de perder a visão. Tem 38% do corpo com queimaduras de segundo e terceiro graus. Há ferimentos na cabeça, pescoço, tronco, coxas e membros superiores. O risco de morte é grande porque o ácido sulfúrico jogado no rosto e corpo da jovem atingiu o tronco e terminou por perfurar órgãos vitais. A gravidade dos ferimentos, inclusive, foi confirmada na apresentação realizada pelas delegadas da Mulher.

“Por enquanto, o que nos temos materializado nos autos é que eles praticaram lesão corporal de natureza grave contra a vítima. Isso está claro pelas consequências de saúde que ela sofreu. Se houver um agravamento no quadro de saúde dela, isso pode ser alterado para lesão corporal gravíssima. Temos realizado diligências para tentar definir qual seria a verdadeira intenção de William com o ato. Se a gente conseguir desenhar nos autos que a intenção real dele e de Paulo (o ex-presidiário Paulo Henrique Vieira dos Santos) era, de fato, tirar a vida da jovem, eles responderão por feminicídio na modalidade tentada”, afirmou Bruna Falcão.

Para a delegada, os três boletins de ocorrência registrados pela vítima na Delegacia da Mulher – dois deles por agressões físicas que teriam sido praticadas pelo suspeito e pela atual companheira dele – entre o primeiro pedido de socorro feito à polícia e a comunicação da medida protetiva expedida pela Justiça, não são suficientes para tipificar o crime como tentativa de feminicídio. “Estamos procurando novas testemunhas que confirmem a intenção de William de tirar a vida da sua ex-companheira. Se isso se confirmar a gente consegue comprovar a tentativa de feminicídio”, insistiu a delegada. Segundo a policial, o suspeito teria dito a uma pessoa que, se o ácido não desse jeito, mataria a jovem de uma próxima vez.

Em depoimento que durou duas horas, William César disse estar muito arrependido do que fez e que não pretendia matar ou ferir gravemente a ex-companheira. Mas apenas assustá-la. Responsabilizou o amigo, Paulo Henrique, pelo ato de jogar o ácido sulfúrico contra a jovem. A polícia, entretanto, não acredita na versão dos suspeitos. “As versões não se sustentam e ainda têm contradições. Acreditamos no que uma testemunha disse: que Paulo segurou a jovem e William jogou uma grande quantidade de ácido contra o corpo dela”, finalizou.

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