Sete meses depois de anunciada, uma das estratégias consideradas fundamentais para reduzir novas infecções pelo vírus da aids, o HIV, ainda é raridade no Sistema Único de Saúde (SUS). A terapia pré-exposição (Prep), em que pessoas saudáveis tomam um antirretroviral para prevenir o HIV, deveria ser oferecida por 36 serviços de saúde desde dezembro. Segundo o Ministério da Saúde, porém, até o início de janeiro apenas três locais haviam iniciado a estratégia. E, mesmo assim, na maioria dos casos com pessoas que já eram acompanhadas em projetos-piloto.
A reportagem do jornal O Estado de S. Paulo ligou no início de janeiro para serviços em São Paulo, Manaus, Salvador, Minas, Paraná e Rio Grande do Sul. As justificativas para o atraso na oferta foram diversas: demora na chegada do medicamento no serviço, necessidade de organização dos profissionais e até indefinição sobre quantas pessoas devem ser atendidas por unidade.
O estudante Gabriel Freitas, de 28 anos, questiona desde o ano passado os serviços de Brasília sobre a data para o início da terapia. Ele diz estar em busca de maior proteção. Seu parceiro é HIV positivo e, com a Prep, quer ter "segurança" para dispensar o uso do preservativo.
A coordenadora de Vigilância de Infecções Sexualmente Transmissíveis e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Tatiana Meireles Alencar, afirmou que o medicamento usado na Prep, o Truvada, já foi comprado e distribuído e a decisão sobre o início da estratégia e a organização da oferta são de responsabilidade de cada centro.
O fato de não ser possível nem agendar um horário para fazer a entrevista de triagem não é considerado um problema. "Uma vez instalado, o processo será ágil. Se a pessoa preencher as condições, ela vai sair já na triagem com o medicamento", disse Tatiana. Só em março o Ministério da Saúde terá um balanço de usuários.
Em São Paulo, a Prep será iniciada oficialmente nesta quinta-feira. Em um primeiro momento, centros paulistas vão receber remédios suficientes para o atendimento de 222 pessoas por cinco meses. "É o início. A expectativa é de que esse quantitativo seja progressivamente ampliado", afirmou a coordenadora adjunta do Programa de DST-Aids e Hepatites Virais, Rosa de Alencar Souza.
A reportagem apurou que a data provocou insatisfação entre funcionários dos serviços paulistas. As equipes afirmam não ter condição de colocar a estratégia em prática, sobretudo por haver indefinição sobre o número de pacientes. A incorporação da Prep no Brasil foi anunciada em maio. Na ocasião, foi estabelecido o prazo de seis meses para que serviços passassem a ofertar o remédio. A lista de serviços que oferecerão a terapia foi divulgada em dezembro. A previsão é de que na primeira fase 7 mil pessoas sejam atendidas. A Prep não é para toda população - é voltada para pessoas com mais de 18 anos com maior vulnerabilidade para o HIV: homens que fazem sexo com homens, profissionais do sexo, pessoas trans e parceiros sorodiscordantes (em que só um deles é HIV positivo).
A ideia é que a prevenção, antes resumida ao uso de preservativo, passe a ser feita com combinação de várias estratégias. O medicamento não evita outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), como a sífilis. Daí a recomendação de manter a utilização de preservativo.
O professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Mário Scheffer, alerta, porém, que para a contenção da epidemia não basta ter o medicamento disponível nos serviços. "É preciso divulgar a informação." Ele cita como exemplo a terapia pós-exposição, estratégia em que antirretrovirais são usados por pessoas que tiveram risco de contaminação pelo HIV. "Esse é um recurso pouco usado."
Tatiana afirmou que a divulgação da Prep já teve início e será intensificada. Entre as medidas usadas estão informações nos aplicativos de encontro, WhatsApp e com youtubers. São Paulo tem um plano semelhante. Mas Rosa admite que essas estratégias têm uma influência limitada com profissionais do sexo, por exemplo.
Em São Paulo, será aberto em Campos Elísios um espaço destinado para saúde integral dessa população. A ideia é também discutir a Prep nos serviços que trazem assistência para adequação de gênero. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo