Ciro Barcelos: ''Nos tornamos reféns de uma caretice assustadora''

Diretor do anárquico grupo teatral Diz Croquettes fala sobre a arte nos anos 1970 e o conservadorismo da produção atual, refém do financiamento público ou privado
Mateus Araújo
Publicado em 07/01/2014 às 10:14


Performáticos, os Dzi Croquettes revolucionaram a cena teatral brasileira da década de 1970. Há dois anos o grupo retomou suas atividades, quase quarenta anos depois de ter sido extinto, tendo ainda em cena ex-integrantes, a exemplo do diretor Ciro Barcelos, que fala em entrevista ao Jornal do Commercio sobre a história e importância da companhia. 

JC - O Dzi Croquettes nasce em pleno período de repressão militar. Como era criar e manter um grupo de teatro naquela época? 

CIRO BARCELOS - Os anos 70 foram anos de chumbo, mas também de muita criatividade. Época em que ainda fazíamos teatro e arte de um modo geral por idealismo acima de tudo, para defender nossos ideais. Existiam os grupos, os artistas ainda pensavam arte no sentido real e fundamental de ser artista no nosso convívio. Éramos comprometidos com a expressão de liberdade e não permitíamos que o sistema interferisse nas nossas obras, custasse o que custasse. Se preciso fosse, encarávamos os canhões e as metralhadoras de peito aberto. E foi dentro desse contexto e luta que nasceu o Dzi Croquettes. Apesar de todas as trincheiras militares que enfrentávamos, éramos mais engajados, ousados e irreverentes. Hoje o comportamento do artista está enquadrado dentro desse sistema capitalista e escravocrata que está aí. Quem dita as ordens são os patrocinadores, as empresas, e como no Brasil estes senhores não têm a visão e a mentalidade dos empresários europeus e americanos, nos tornamos reféns de uma caretice assustadora.

JC - Em 1973 e 1974, o grupo sai do Brasil. Que importância tem essa viagem para o processo criativo e para a fama de vocês?

CIRO - Saímos do Brasil bem dizer exilados. Na verdade, fomos convidados a nos retirar. Se não por bem seria por mal. Então decidimos sair por bem, mas na verdade fomos deportados. Mas o tiro saiu pela culatra, porque no exterior conquistamos um sucesso estrondoso perante os críticos especializados, grandes estrelas do teatro, cinema, música e televisão. Isso ecoou no Brasil de uma forma retumbante e incomodou mais ainda aos militares, pois continuamos promovendo a revolução cultural que havíamos iniciado aqui. Para mim, pessoalmente, foi a experiência mais tocante da minha vida. Eu tinha apenas completado 18 anos e de repente me vi em meio a tudo isso. Imagine um garoto brasileiro ter o seu ídolo Mick Jagueer sentado na primeira fileira do teatro lhe assistindo? Para não falar de Liza MInélli, Brigite Bardot, Jane Maureau, Rudolf Nureyev, entre tantas outras celebridades que vibravam com nosso trabalho. 

JC - O que a relação com Lennie Dale influenciou na estética do Dzi Croquettes? 

CIRO - O Lennie influenciou em tudo. Na verdade, o Dzi não teria sido o sucesso que foi se não fosse a mão do Lennie Dale. Ele não mudou apenas nosso comportamento e profissionalismo cênico, mudou nossas cabeças, assim como mudou a bossa nova, Elis Regina e tantos outros. Aprendi tudo com o Lennie, ele foi meu mestre maior, e hoje me ocupo em passar isso adiante através do trabalho e convivência que venho tendo com os novos Dzis que são bárbaros. Amo todos eles.

JC - Onde e em quem você enxerga a influência do Dzi Croquettes nos artistas contemporâneos brasileiros? 

CIRO - Ney Matogrosso, que ainda considero contemporâneo, surgiu junto e influenciado pelo Dzi. Existem também grupos de teatro como o Bofetada, da Bahia. Acho até que agora, com esse novo bom do Dzi, estão aparecendo jovens artistas que se propõem a arriscar mais e isso é muito bom.


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Artes cênicas anos 70 dzi croquettes
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