'Caranguejo Rei' carrega tensões urbanas locais em cinema de gênero

Dirigido por Enock Carvalho e Matheus Farias, o curta 'Caranguejo Rei' fez sua estreia no Festival Olhar de Cinema, realizado em Curitiba
Rostand Tiago
Publicado em 10/06/2019 às 8:57
Dirigido por Enock Carvalho e Matheus Farias, o curta 'Caranguejo Rei' fez sua estreia no Festival Olhar de Cinema, realizado em Curitiba Foto: Foto: Divulgação


É certo que o Recife passa por constantes tensões em esferas arquitetônicas e ambientais e a produção artística local é um agente incisivo em lançar luz sobre elas. Essa tem sido uma das mais poderosas formas de expor essas vivências urbanas, permeadas por jogos de poder e contradições, para o resto do mundo. Exemplo recente disso é a estreia de Caranguejo Rei, curta-metragem dirigido por Enock Carvalho e Matheus Farias, no Festival Olhar de Cinema, exibido na última sexta-feira, em Curitiba. O filme, que concorre na Mostra Outros Olhares, insere efusivamente bem essa problemática no prisma do cinema de gênero.

A proposta é de uma narrativa aparentemente simples, mas que abriga alegorias potentes, além de deixar claro que trata-se de uma trama impulsionada por uma catarse inconformada com certos aspectos das relações políticas e espaciais da cidade. Nele, acompanhamos Eduardo (Tavinho Teixeira), um dos cabeças de uma empreiteira local, que apresenta uma doença misteriosa, ao mesmo tempo em que caranguejos começam a surgir em vários pontos da cidade.

"Sempre entendemos que existe no Recife um movimento que atua como um rolo compressor, que passa por cima da história, da memória, das pessoas, isso é um conceito que temos bem definidos. Para além disso, a gente pensa em falar sobre como o mundo e o Brasil passam a ver como normais absurdos em relação a habitat, natureza, coisas que estavam aqui e não estavam sendo respeitadas”, explica Enock, sobre possíveis forças que levaram a construção do roteiro, iniciado em 2015. “O filme também fala sobre como nós imaginamos a derrocada de um poder estabelecido na cidade ou na cabeça das pessoas. É algo muito bom colocar na tela o que gostaríamos que acontecesse com essas pessoas. De certa forma, é um filme de vingança”, complementa Matheus.

Gênero potencializador

Abraçar a linguagem de gênero, em especial os elementos do terror e da ficção-científica, foi um caminho natural para a dupla, que já trabalhou dessa forma no curta Quarto Para Alugar (2016). Eles enxergam esse modo de conduzir o filme como uma ferramenta que dá maior substância ao que querem contar. "As histórias de nossos filmes são muito simples, mas quando a gente acha o gênero, conseguimos potencializar uma ideia ou visão nossa sobre alguma coisa. Não usamos essa linguagem só porque somos entusiastas do horror, do terror, da ficção-científica, usamos porque acreditamos que potencializa a narrativa", diz Matheus.

Um outro elemento que também pode ser dito como potencializador é a presença do ator e diretor Tavinho Teixeira como protagonista. O paraibano leva sua experiência para fazer do protagonista o fio-condutor das problemáticas abordadas por Caranguejo Rei, com um desempenho excelente, sem deixar dúvidas sobre como seria o modo de falar, se portar e reagir de alguém que ocupa a posição de poder que seu personagem tem.

"Já acompanhamos Tavinho há um tempo, tudo em que ele atuou, dirigiu, escreveu. Queríamos fazer esse teste de trabalhar com um ator com a carreira dele, conhecido e reconhecido no Brasil, para entendermos esse aspecto da direção. O resultado tá na tela, ele se transforma em outra coisa nela, com um personagem complexo. A gente se orgulha e ele também se orgulha", afirma Matheus.

Investindo pesado

A produção do curta contou com aporte do Funcultura e recursos próprios da Gatopardo, produtora dos diretores. Em dias mais movimentados, os diretores relatam chegar a ter cerca 40 pessoas trabalhando em set, além das aproximadamente 100 pessoas envolvidas em todo o processo, o que garantiu um aspecto mais ousado em relação a produção de curtas, pois contou com várias locações, atores e um esforço significativo.

"Não temos uma fotografia preguiçosa, usamos elementos como trilhos, travelling e ainda contamos com uma logística avançada, os equipamentos certos. O filme pedia isso, superarmos essas maiores dificuldades com poucos recursos", relata Enock. O trabalho de som, sob responsabilidade de Nicolau Domingues e Lucas Caminha, contou com quase dois meses só de pós-produção, já que se trata de um dos elementos mais poderosos do filme.

Finalizado no começo deste ano, Caranguejo Rei deve ter circulação promissora em diferentes circuitos. Além da estreia em Curitiba, o filme já foi selecionado para três outros festivais, sendo dois deles internacionais. Entretanto, a vontade de mostrar o filme na cidade onde foi feito é grande. "Estamos ansiosos para que ele seja exibido em uma tela do Recife e que a gente possa mostrar ele para as pessoas que vivem na cidade e exibir o filme em casa", conclui Enock.

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