A capital do jeans pelos olhos do cineasta Marcelo Gomes

O diretor pernambucano participa de debate após pré-estreia de Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar, documentário sobre a atividade econômica de Toritama, no Agreste do Estado
Ernesto Barros Barros
Publicado em 10/07/2019 às 10:48
Documentário sobre a atividade econômica de Toritama, no Agreste de Pernambuco, ganha versão em audiodescrição Foto: Vitrine Filmes/Divulgação


Poucos cineastas brasileiros são tão andarilhos quanto o pernambucano Marcelo Gomes. São incontáveis os quilômetros que ele já andou pelas estradas nordestinas – cortando o Sertão e o Agreste, até cada destino improvável. Marcelo nunca procurou uma paisagem, pois seu cinema não tem nada de turístico, mas inventou e – principalmente – encontrou gente que não cansa de perseguir seus sonhos e conhecer o outro, como o alemão Johann e o sertanejo Ranulpho, de Cinema, Aspirinas e Urubu (2005) e a inesquecível Patrícia, a vendedora de feira livre que queria “uma vida-lazer” em Viajo porque Preciso, Volto porque Te Amo (2009), que Marcelo dirigiu em parceria com o amigo cearense Karim Aïnouz.

Em Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar (2019), seu primeiro o documentário, em pré-estreia nesta quarta-feira (10/7), às 20h, no Cinema da Fundação/Derby, que contará com sua presença para um debate após a sessão, Marcelo empreende uma nova viagem, desta vez partindo de lembranças paternas. Tanto Cinema, Aspirinas e Urubus quanto seu novo filme têm ligações paterno-filiais. O primeiro foi inspirado nas memórias do avô, agora, ele remonta às viagens que fez com o pai, um inspetor de impostos, que o levava durante o trabalho às cidades do Agreste pernambucano.

Ouvimos a voz de Marcelo enumerando as cidades que viu ainda jovem, entre elas Toritama, em que dela lembra-se do silêncio de suas ruas. Ele fez essa viagem talvez motivado pelos contrastes com a realidade de hoje, mas seu intuito, certamente, foi o de conhecer as pessoas dessa pequena cidade, que mergulharam num faina incessante para ganhar dinheiro, custe o que custar. É perturbador o barulho das máquinas de costuras das dezenas de fábricas de jeans (“facções, como chamam) de fundo de quintal que ele visitou. Nessa hora, o artista tenta criar uma realidade menos agressiva: tira o som bruto das máquinas de costura e a substitui por uma peça de música clássica, a mesma que ouvimos na primeira sequência, uma assustadora montagem com outdoors de beira de estrada que parecem maiores do que são.

Marcelo, quase sempre escondido por trás da câmara, com sua voz ao fundo, faz um tour pelas pequenas fábricas para descobrir, não sem horror, como aqueles trabalhadores, que resolveram ser o próprio patrão, entraram numa linha de montagem que os obrigam a trabalhar o dia inteiro, sem nenhuma qualificação além do fazer mecânico da costura.

CARNAVAL

Para quem só ouviu falar do progresso de Toritama, a Capital do Jeans, e de sua produção milionária de peças de roupas, nem imagina que esse milagre tem um custo severo sobre a vida do seus trabalhadores. Como dizem, para contrabalançar a realidade, pelo menos têm o Carnaval e suas férias gerais a cada ano. Foi esse vislumbre de festa, tão ausente no dia a dia deles, que levou Marcelo a escolher o título do filme, retirado da canção Quando o Carnaval Chegar, de Chico Buarque. Inclusive, essa canção também batizou o filme que Cacá Diegues fez em 1972, com Chico Buarque, Maria Betânia e Nara Leão como atores.

O excesso de trabalho e a ausência de lazer na vida dos operários do jeans – homens, mulheres, jovens e idosos – de Toritama parecem um laboratório dos excessos do capitalismo e da precarização do trabalho. Com seu já conhecido interesse em conhecer a vida íntima dos seus personagens – agora pessoas reais –, Marcelo Gomes mais uma vez faz do cinema uma janela para o mundo. Em Estou me Guardando para Quando o Carnaval Chegar, ele não só deixa as pessoas se abrirem como também mostra em que tipo de ratoeira elas se meteram. Afinal, trabalho não é sinônimo de escravidão, mesmo que pague para isso.

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