Se há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia, como seria um mundo em que fôssemos protegidos não por anjos da guarda, mas por “Angelus” fardados e padronizados, que vivem num sistema altamente burocrático, como uma verdadeira repartição pública, para ajudar diariamente cada ser humano deste planeta? O que parece ser um delírio foi materializado em forma de ficção na nova série brasileira original da Netflix, Ninguém Tá Olhando, que estreia nesta sexta-feira (22) na plataforma de streaming.
Criado por Daniel Rezende (que também assina a direção geral), Carolina Markowicz e Teo Poppovic, a comédia traz Victor Lamoglia, Kéfera Buchmann, Júlia Rabello, Augusto Madeira e Danilo de Moura nos papéis principais. Na sinopse, conhecemos Uli (Lamoglia), o mais novo anjo da guarda no 5511º Distrito. Tutelado pelos veteranos Greta (Rabello) e Chun (Moura), e sob os olhares atentos do inspetor Fred (Madeira), ele aprenderá as regras do Sistema Angelus e as punições por desobedecê-las. Incapaz de aceitar as ordens arbitrárias do chefe, Uli decide, por conta própria, ajudar os humanos, quebrando todas as regras em poucas horas. Mas para a sua surpresa, Uli não sofre qualquer punição. E a partir daí, a história se desenrola.
Por telefone, Daniel Rezende explicou um pouco mais do objetivo da série. “A vontade sempre foi de fazer uma comédia irreverente, ácida, que pudesse de alguma forma criticar a humanidade ou, pelo menos, questionar as escolhas dela. Então, pegar a figura do anjo da guarda, subverter, recriar através desses Angelus como seres burocratas, que estão entre nós, para fazer essa crítica e questionar foi o nosso ponto de partida. [...] A partir daí, começamos a falar sobre o controle do desejo, o prazer, as crenças, narrativas que a humanidade inventa como, por exemplo, a astrologia. [...] Nós íamos achando os temas, criando histórias, e tentando fazer com que os personagens vivessem isso, mas estivessem rindo do absurdo que é ser um ser humano”, disse ele ao Jornal do Commercio.
Sob o ponto de vista dos mortais, vemos Miriam, interpretada por Kéfera, em seu primeiro trabalho na Netflix. “Acho que temos muitas coisas em comum. Mas o que difere é o jeito como a Miriam vê o mundo. Em relação a ideologia, acho que se sentássemos eu e ela para conversar, concordaríamos em muita coisa. Mas, por exemplo, eu gosto muito de me comunicar, uso muito o gestual, gosto de dar risada, brincar com as pessoas. E ela já tem um lado totalmente sério, que não tem esse espaço para gracinhas”, relata a atriz, que vê sua personagem se envolver com o Uli ao decorrer desta primeira temporada.
Com oito episódios de, no máximo, 28 minutos, Ninguém Tá Olhando chama atenção pela agilidade do enredo e o poder de surpreender a cada capítulo. Ao contrário de muitas comédias de fácil compreensão, não é possível prever o que vai acontecer adiante, visto que os personagens oscilam bastante à medida que a história avança. A estética da série brasileira não deixa nada a desejar em relação a qualquer sitcom gringo que se vê por aí. E, mais que entreter, o seriado consegue provocar diversas reflexões sobre o modo de viver a vida hoje em dia.
Entre os bons destaques da série estão as boas atuações de Victor Lamoglia como o protagonista Uli e Júlia Rabello como Greta. Kéfera também passa verdade com sua Miriam, principalmente no episódio 6, onde as questões da astrologia entram em discussão. O trabalho de Augusto Madeira também não cai na comédia forçada e agrada como Fred. E as participações especiais de Projota, Tathi Lopes e Leandro Ramos, do Choque de Cultura, como o veterinário Sandro, agradam dentro da proposta de cada episódio.
Ainda no universo destes oito capítulos, além do último deixar vários ganchos para uma segunda temporada, o ponto alto fica mesmo no penúltimo episódio. Ele é o mais curto da série, mas o mais dramático, com direito a trilha sonora de Sandy & Junior na cena final para deixar o clima dos acontecimentos mais pesado, ainda que isso provoque no espectador uma certa vontade de rir pelo contexto musical pitoresco, mas muito bem sacado.
“Mesmo que seja uma comédia sobre questões existenciais e filosóficas, Ninguém Tá Olhando é uma comédia com roupagem pop, que serve tanto para pessoas que gostam de um conteúdo um pouco mais sofisticado, mas também conversa para quem gosta desse universo da cultura pop”, ressalta Rezende. “As pessoas vão se identificar com os diálogos da série, que são ‘altamente memeficadas’. Acho que é muito legal para o público brasileiro assistir a uma série de alta qualidade, de produção muito boa, com um tema diferenciado e pouco explorado no Brasil”, completa Kéfera.