A passagem de Camus pelo Recife e pelo Brasil

Autor visitou no final da década de 1949 a capital pernambucana e se impressoniou com as igrejas e o ''bomba-menboi''
Diogo Guedes
Publicado em 07/11/2013 às 5:49
Autor visitou no final da década de 1949 a capital pernambucana e se impressoniou com as igrejas e o ''bomba-menboi'' Foto: Foto: Divulgação


Até por sua imensa fama internacional, Albert Camus escreveu constantemente sobre os lugares onde esteve. Diário de viagem, com mais de 500 páginas, é um grande registro da impressão de um intelectual e seu olhar estrangeiro sobre os locais por onde passou – inclusos aí o Brasil e o Recife, durante julho de 1949. Lacônico, mordaz e sincero, o escritor francês veio ao território brasileiro para um ciclo de palestras.

A viagem começa na vinda à América do Sul, de navio, que debilitou a saúde frágil do escritor – Otto Lara Resende, que assina o prefácio do volume, comenta que Camus pensou em se matar durante o percurso. No Rio de Janeiro, primeiro ponto de passagem, Camus vai conhecer alguns dos principais escritores e intelectuais brasileiros – alguns desprezados pela sua petulância e outros imediatamente elevados ao posto de amigos. A passagem pelo País, conta Lourival Holanda, professor da UFPE, foi um desencontro: “Ele espantado com a excessiva familiaridade (“Seu Albert”); e a estupidez dos nossos tocando La vie em rose sem parar... Ele conta isso no diário. Ele guardou imagens, felizmente – que transparecem depois em dois contos seus”.

No Rio também começam as percepções sobre o Brasil. Ele se impressiona com o contraste social da “ostentação de luxo dos palácios e dos prédios modernos” e das “favelas, às vezes a cem metros do luxo, agarradas ao flanco dos morros, sem água nem luz, onde vive uma população miserável, negra e branca”. “Nunca o luxo e a miséria me pareceram tão insolentemente mesclados”, afirma. Em Caxias, no Rio, assiste um ritual de macumba – é talvez o momento mais marcante da viagem para ele, descrito em cerca de oito páginas no livro.

Dali, parte para Pernambuco, onde passa dois dias antes de seguir para Salvador e São Paulo. A primeira impressão do Recife foi a sensação de entrar em um território de morros vermelhos rodeados de calor. A própria alcunha que usa para a cidade, “Florença dos Trópicos”, aponta o olhar positivo da passagem: cercado de intelectuais e com uma programação exaustiva preparada para ele, visita Olinda também. Dos dois municípios, destacou “as igrejas franciscanas e os azulejos portugueses”, como lembra o professor de Letras da UFPE e secretário de Cultura de Olinda Lucilo Varejão Neto, que vai lançar um e-book sobre a passagem dele por Recife e Olinda, em parceria com o jornalista Marcus Prado.

Se os cantos e danças preparados pelos intelectuais locais soam muito artificiais, o “bomba-menboi”, como Camus escreve no diário, é “um balé grotesco, dançado por máscaras e figuras totêmicas, sobre um tema que é sempre o mesmo: a matança de um boi”. Camus vinha aqui proferir uma conferência na Faculdade de Direito do Recife, Roman et révolt, mas quase não falou no momento que lhe foi destinado – depois das apresentações dos intelectuais pernambucanos, Camus se disse cansado. A saudação de Hermilo Borba Filho, no entanto, viria a ser publicada no Jornal do Commercio, no dia 24 de julho.

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