Com traço livre e fluido, Roger Vieira lança nova HQ na Bienal Geek

Dotada de elementos fantasiosos, a HQ 'Aterro' resgata a história da vida do quadrinista, nascido e criado nas periferias de Olinda e Paulista
JC Online
Publicado em 25/05/2018 às 12:07
Dotada de elementos fantasiosos, a HQ 'Aterro' resgata a história da vida do quadrinista, nascido e criado nas periferias de Olinda e Paulista Foto: Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem


Nascido e criado nas periferias de Olinda e Paulista, o quadrinista Roger Vieira transpõe as doçuras e as agruras das suas memórias para a sua nova HQ, intitulada de Aterro, a segunda de sua autoria, que será lançada regionalmente neste sábado (26) na Bienal Geek, no Centro de Convenções. O lançamento em escala nacional será realizado no Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), que ocorre em Belo Horizonte entre 30 de maio e 3 de junho.

Dono de um traço livre e fluido – aperfeiçoado ao longo dos anos em que atuou como ilustrador e chargista –, Roger retrata, com expressivas pinceladas a nanquim, cenas de uma vida que a qualquer momento poderia escoar por uma enchente. Essa era a dura realidade de parte da sua infância e adolescência: “aterrada” às margens de um canal poluído em Maranguape I.

“Morei lá durante dez anos, dos 13 aos 23. Mas só depois que eu saí daquele lugar foi que eu pude enxergar de fato tudo o que tinha vivido ali. Essa coisa de ter cheia, de carregar barro e terra para poder aterrar a casa da gente, de acordar um dia e me deparar com o meu violão boiando...”, conta.

Apesar de trazer à luz as dificuldades vividas pelo quadrinista há cerca de uma década, o trabalho, permeado de criticidade e reflexão, traz também o olhar lúdico e a imaginação inerentes ao universo infantil. Como diz a sinopse: “O canal transborda, traz consigo pneus e bicicletas, sacos plásticos, membros humanos... E peixes coloridos. Aterro é a história de um menino que viveu
tudo isso e colecionava os peixes”. É de uma sutileza e pungência singular.

Ainda que seja um resgate da história do seu autor, a HQ, em si, não pode ser chamada de autobiográfica, pois contém elementos ficcionais, fantasiosos. Ela foi construída de modo que mais parece uma releitura da própria vida do quadrinista. Da beleza de se olhar para trás, tentar compreender algumas situações, e como elas influenciaram em sua formação e lhe fizeram chegar até este momento. Tudo isso sem deixar de trazer um ar nostálgico, como fica claro pelo uso da cabeça de La Ursa no seu carismático “eu” figurado.

“Eu a chamava de cabeça de rato. Me traz lembranças de um bloco que o meu pai tinha e saía pelas rua de Olinda, onde passei boa parte da minha infância. Essa La Ursa ficava junto das coisas do meu avô. Penso, hoje, que foi uma herança deixada por ele pra mim”, lembra.

Com 24 páginas em P&B divididas em duas histórias fechadas, mas que conversam entre si, Aterro é a materialização do talento de Roger Vieira, que tem despontado no cenário pernambucano de HQs desde que lançou Não Tenho Uma Arma, seu primeiro quadrinho inteiramente autoral, no ano passado. Não é à toa que agora ele tem dado um curso para os interessados pela arte quadrinizada em seu ateliê, que fica no bairro do Torreão, Zona Norte do Recife.

“O foco da oficina de quadrinhos é destravar a galera, apontar os caminhos para que os autores contem suas histórias além das amarras convencionais. Mostro aos meus alunos somente a galera que trabalha de uma forma mais inusitada, como Fabio Zimbres e Rafael Sica, para saírem do mainstream”, explica, comentando que teve muita dificuldade para abandonar o risco mais clássico e formalista, e investir em algo mais espontâneo e estilizado, caricatural.

Mesmo assim, o faz com proeza em Aterro, apostando nas expressões dos personagens. Também merecem destaque o contraste entre “claro-escuro” e a alternância de enquadramentos e cenários, ora detalhados, ora (propositalmente) mais simples – quando focam no sentimento do protagonista. O que dá equilíbrio e dinamismo à narrativa, mantendo o suspense e a ação necessárias.

Pedagogo por formação, Roger aprendeu a desenhar de forma autodidata, decalcando alguns desenhos que o seu pai levava para casa. Só na adolescência, lá pelos 13 anos, que passou a criar por si, a arriscar mais. Hoje, seu trabalho é orgânico em várias vertentes, desde o desenvolvimento do risco à distribuição, passando por uma impressão artesanal. Sua principal fonte de divulgação são justamente as convenções de cultura pop.

Na Bienal Geek, amanhã e no domingo (27), Roger estará com uma tiragem de 100 exemplares de Aterro no Beco dos Artistas. Daqui para a Comic Con Experience (CCXP), que acontece anualmente em São Paulo no mês de dezembro, ele pretende produzir mais histórias curtas, na mesma linha, e criar uma compilação.

Outros projetos

Ainda na CCXP, também deve participar do lançamento da HQ Pindorama – Volume 3, escrita por Erick Volgo, que tem o Recife como pano de fundo e conta com um desenhista diferente a cada edição. Outro trabalho no qual Roger se vê envolvido no momento é o primeiro longa-metragem de animação produzido em Pernambuco, O Além da Lenda, que vai trazer as principais
lendas do folcore brasileiro sob uma ótica existencialista. No filme, ele é o responsável pelo desenvolvimento dos cenários.

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