Mulheres quadrinistas quebram tabus ao unirem sexo e terror em projeto

Em fase de crowdfunding, projeto 'Gibi de Menininha' junta artistas e roteiristas de várias partes do Brasil para a criação de histórias assombrosas e eróticas
JC Online
Publicado em 24/07/2018 às 13:58
Em fase de crowdfunding, projeto 'Gibi de Menininha' junta artistas e roteiristas de várias partes do Brasil para a criação de histórias assombrosas e eróticas Foto: Foto: Divulgação


Terror e erotismo combinam? Ora, depende da dose e da medida certa de uma boa mistura. Filmes e séries já fizeram isso muito bem, de modo a não deixar a estética nem o script “trash”. Um bom é exemplo é a clássica série de vampiros da HBO, True Blood. Até mesmo nos games há a mescla dos dois gêneros, considerados subversivos pelo grande público. Basta arriscar jogar Lust For Darkness, desenvolvido pelo estúdio independente Movie Games. No universo dos quadrinhos, uma personagem com sex appeal, também vampira, marcou história: Vampirella, criada em 1969 por Forrest J. Ackerman. Os seres de dentes afiados, na verdade, são a grande prova de que a combinação sempre funcionou.

Para algumas pessoas, tais narrativas podem chocar e impressionar. Mas é certo que nenhuma delas é tão perturbadora o quanto não levar em conta que mulheres são plenamente capazes de produzi-las.

E foi visando romper tabus e contrapor estereótipos que a quadrinista pernambucana radicada em São Paulo Germana Viana, autora de Lizzie Bordello e as Piratas do Espaço, convidou 13 colegas da cena de quadrinhos para conceber o Gibi de Menininha: Historietas de Terror e Putaria, que, como o título já antecipa, possui enfoque no terror e possui toques de erotismo. Segundo Germana, a ideia do projeto surgiu durante um encontro do Lady’s Comics, onde assistiu a um bate-papo com Bianca Pinheiro, Camila Torrano e Ana Recalde (as duas últimas, inclusive, membros do time do Gibi) e um dos destaques desta conversa foi o quanto a maioria das pessoa se surpreende quando elas falam que trabalham com terror.

"Certa vez um chefe de arte viu o portfólio da Camila e elogiou a qualidade, mas 'sugeriu' que ela trabalhasse com coisas 'fofas' pelo fato de ser mulher. Por causa desta e de outras situações ridículas que nós frequentemente enfrentamos, seja com terror ou com erotismo, eu comecei a brincar com minhas amigas que uma hora a gente deveria fazer um 'gibi de menininha' e terminou que a brincadeira virou projeto", conta Germana.

A grande diferença entre seu projeto e uma clássica Vampirella é que o trabalho é feito por mulheres para mulheres, no qual as personagens não são reduzidas a meros sex symbols, com todo o respeito ao contexto em que a criação da vampiresca se insere e a sua significância para a pauta da liberação sexual feminina.

Com seis histórias independentes umas das outras, o gibi foi todo estruturado para ser produzido por duplas criativas, com seus diferentes estilos, para assim ter mais chances de contemplar todas as facetas do terror, desde o sobrenatural ao chamado "terrir". "Eu as convidei e determinei quem iria trabalhar com quem. Como conheço bem os estilos de cada uma tanto no texto quanto na arte, então consegui prever como sairia cada combinação. Eu apenas dei três diretrizes: 1) nada de estupro contra mulheres; 2) nada de pedofilia e 3) criança não mata criança. Fora isso, podia tudo", explica a quadrinista, enfatizando estar muito feliz com o resultado obtido. "Mesmo sabendo que todas as mulheres que participaram desta edição são profissionais maravilhosas e acostumadas ao ritmo de produção dos quadrinhos, elas conseguiram me surpreender".

Além de Germana, participam do título as roteiristas e artistas Ana Carolina Recalde Gomes, Camila Suzuki, Carol Pimentel, Clarice França, Fabiana Signorini, Katia Schittine, Mari Santtos, Milena Azevedo, Renata C B Lzz, Roberta Cirne e Talessa Kuguimiya. A capa, única página colorida em meio às 80 em preto e branco, ficou por conta de Camila Torrano.

Ficou a cargo da idealizadora do projeto também a criação de uma típica anfitriã do gênero, chamada de Mama Jellybean, para as aberturas dos capítulos. De acordo com Germana, ela é uma súcubo (demônio que invade o sonho dos homens a fim de ter uma relação sexual com eles para lhes roubar a energia vital) divertida. "Sempre brinco dizendo que eu sou formada pela escola John Waters de provocação. Ele é um diretor de cinema de que gosto muito, que costuma falar de temas considerados tabu de maneira muito divertida. E eu me divirto muito quando consigo gerar qualquer reflexão nesse sentido".

Preview da história 'Por Eras e Eras Te Amarei' / Divulgação

Com dez páginas, uma das histórias, intitulada de Por Eras e Eras Te Amarei, foi ilustrada pela pernambucana Roberta Cirne, criadora do projeto Sombras do Recife, que há pouco ganhou uma versão impressa dos quadrinhos originalmente publicados no site homônimo. Seguindo o estilo art nouveau em seus trabalhos e sempre se pautando pela assombração, sobretudo as históricas, que envolvem mitos e lendas urbanas, Roberta fez parceria com a roteirista paulistana Carol Pimentel, editora "aracno-mutante" e única mulher na redação da Panini/Marvel no Brasil. "Nossa, foi bom demais fazer parceria com ela, a gente combina muito nos pensamentos”, afirma Roberta, comentando que a narrativa é daquelas que “começa de um jeito e te pega de rasteira".

Catarse

Dependendo de apoio financeiro para ser viabilizado, o projeto está disponível no Catarse até o dia 21 de agosto. Até então, o Gibi já atingiu 64% da meta de arrecadação estabelecida em R$ 17 mil. Para os apoiadores, há recompensas que vão desde prints até "comissions", passando por marcadores de livros, bonecas de papel e bonequinhos display dos monstros das historietas.

Otimista, Germana acredita que o segundo volume já é uma realidade. "Nós estamos animadíssimas e pensando em variações da temática, mas só vamos começar a organizar as ideias ano que vem. O resto de 2018 vai ser para terminar nossos outros projetos de quadrinho", comenta a criadora.

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