Foram três anos longe das guitarras e do som pesado. Em 2011, Pitty e o guitarrista Martin Mendonça deixaram o rock de lado para lançar o projeto "Agridoce". Com uma pegada mais indie e próxima do folk, o duo fez uma longa turnê pelo País e se apresentou na edição de 2013 do festival Lollapalooza. A dupla também foi uma das atrações do South By Southwest (SXSW), nos Estados Unidos. Após o período de serenidade musical, a baiana, que acaba de lançar o disco "Setevidas", decidiu resgatar suas origens. "Tudo na vida tem um ciclo. Voltar ao rock é algo natural. Eu simplesmente senti vontade de fazer uma coisa diferente. Está no sangue, não tem jeito", diz Pitty ao receber a reportagem em um estúdio na região central da capital paulista.
Com guitarras distorcidas, riffs agressivos e letras que abordam a morte e a dor da perda, o novo álbum da banda simboliza amadurecimento. Se nos três trabalhos anteriores as composições do grupo tinham os conflitos existências adolescentes como temas centrais, "Setevidas" traz um lirismo introspectivo, sombrio e reflexivo. "O ano de 2013 foi pesado e as letras refletem isso de maneira clara. Não houve um estopim. Ocorreu uma conjunção de perdas: Chorão, Champignon e Lou Reed. Era natural que isso ficasse explícito na nossa música. A arte reflete a vida real", afirma Pitty.
Em "Do Lado de Lá", por exemplo, Pitty traça uma metáfora sobre a morte. Uma das inspirações para letra foi o ex-guitarrista da banda, Peu Sousa, morto em maio do ano passado. Segundo ela, as composições do novo CD pouco incitaram o processo de reflexão de um assunto ainda controverso: vida após a morte. "Não sei dizer ao certo se acredito nisso, mas conforta nosso ego saber que pode existir algo depois que tudo acaba por aqui. Este disco certamente me ajudou a lidar melhor com a perda das pessoas. Sobre o Peu, ainda está em processo, claro. Hoje em dia, entretanto, entendo que isso faz parte do ciclo de qualquer ser humano."
A evolução sonora da banda fica mais evidente em músicas como "Pouco", "Serpente" e "Deixa Ela Entrar". A mixagem do britânico Tim Palmer, que já trabalhou com os gigantes David Bowie, Ozzy Osbourne, U2 e Pearl Jam, dá direcionamento às batidas enérgicas e pesadas do grupo. "Foi ótimo trabalhar com ele. O Tim tinha a linguagem que precisávamos na palma da mão. Como gravamos tudo ao vivo, necessitávamos de alguém com experiência para deixar a coisa redonda. Ficou sujo e ao mesmo tempo visceral, nosso intuito desde o início", complementa a cantora.
"Setevidas", faixa que também dá título ao álbum, confirma a nova fase do grupo. Na letra, Pitty afirma ter morrido quatro vezes em apenas cinco meses. "Esta música, na verdade, resume a temática do disco. Ela fala de alguém que sobrevive a diversos problemas e adversidades e, mesmo assim, se mantém de pé. Se você parar para pensar de maneira mais efusiva, todo renascimento, na verdade, vem de alguma coisa que já está morta."
Em baixa? Pitty, que recentemente regravou a música "Agora só Falta Você", de Rita Lee, para a abertura da nova temporada de "Malhação", da TV Globo, acha que o rock nacional está finalmente despertando de um período nebuloso e de pouca criatividade. "Eu acho que o rock nos últimos quatro ou cinco anos passou por uma fase caída, mas agora sinto um momento muito positivo para o gênero. Fazia tempo que não via tanta gente lançando discos legais, isso tanto no mainstream quanto no cenário alternativo, o que me deixa bastante otimista. O rock sempre se reinventa. Ele jamais vai deixar de existir", afirma.
Sobre a nova formação, Pitty comenta que a entrada do baixista Guilherme Almeida, que substituiu Joe Gomes, deu novo gás à banda após um período de turbulência com o ex-companheiro. "Nunca estivemos em uma fase tão boa musicalmente. O Guilherme fez bem ao grupo. Ele se encaixou perfeitamente. É um cara que entende muito de música e contribui com arranjo, melodia e harmonia. É muito rápido e fácil lidar com ele."
SAUDADE - Pitty não planeja o futuro e diz que o quarteto agora traça os próximos passos de maneira cautelosa e com os pés no chão. "O tempo de fora não é o tempo de dentro. Esse hiato foi bom, deu tempo de sentir saudades. Eu não montei uma banda para bater cartão ou cair em uma rotina. A gente voltou com muito mais fome e vontade de tocar. Saudade é algo tão louco e ao mesmo tempo poderoso que transforma coisas ruins em boas", conclui.