Músico, compositor e arranjador, o baiano Letieres Leite é uma das principais referências nacionais no trabalho com música de matriz africana, à qual incorpora elementos jazzísticos e mesmo sinfônicos. Hoje, ele realiza, das 18h às 22h, um workshop no recém-inaugurado Centro Cultural Bongar, na comunidade de Xambá. Letieres também está lançando, depois de sete anos como diretor musical de Ivete Sangalo, o seu segundo álbum com a Orkestra Rumpilezz: A Saga da Travessia, sucessor do disco homônimo de 2009.
“Há muito tempo eu queria fazer uma composição que tratasse desse evento da história tão esquecido que é essa trajetória passada dos negros”, diz explicando o conceito do álbum. “Eu queria trazer três momentos fundamentais: a saída do continente africano, a travessia com seus momentos de tempestade e a chegada em um lugar desconhecido. É um disco imagético. A ideia é desembarcar e olhar nossos descendentes, que vão ser Pixinguinha, Miles Davis, Luiz Gonzaga...”, completa.
Inserida na mesma linhagem da Orquestra Afro-Brasileira de Abigail Moura e Moacir Santos, a Orkestra Rumpilezzz foi criada por Letieres em 2006. Segundo ele, o projeto surgiu como um “cartão de visita”, uma forma de aplicar os seus estudos musicais. Ele buscava um diálogo entre a tradição da escrita musical europeia e o Universo Percusivo Baiano (UPB), termo criado pelo maestro que tem entre as referências o Ilê Aiyê, Olodum e os sambas do Recôncavo Baiano. A Rumpilezz reúne esses dois universos com equilíbrio e força, ligando-se com a tradição do candomblé para reinventá-la.
Letieres considera também um aspecto político em seu trabalho, especialmente por romper com padrões colonizadores europeus. “A nossa proposta é a quebra de paradigmas eurocêntricos, é colocar a música de matriz africana numa independência e numa estrutura que se organiza e se explica por ela mesma. A cultura europeia não explica toda essa música”, afirma.
No encarte do álbum, Carlos Moore, biógrafo oficial de Fela Kuti, é certeiro ao descrever Saga da Travessia: “Música onde a cabeça dança com o corpo, sempre; onde a tragédia dialoga, sem fim, com o júbilo”.
Letieres Leite desembarcou em Olinda na segunda-feira de manhã. Ele faz uma residência com o grupo Bongar, onde preparam juntos o próximo álbum do grupo pernambucano. Aprovado no edital Rumos, do Itaú Cultural, o disco será lançado no dia 29 de abril do próximo ano. Guitinho, compositor e vocalista do Bongar, antecipa que o disco se chamará Ogum, em homenagem ao orixá guerreiro.
Antes da gravação – que acontece novembro, em São Paulo –, Letieres passa a semana na comunidade da Xambá. A afinidade foi imediata: “Eu cheguei ontem (segunda) e parece que estou aqui há cem anos!”, anima-se o maestro baiano. “Nós já fizemos algumas músicas e ficamos muito tempo discutindo o conceito, a instrumentação, a captação. É um dos maiores desafios da minha carreira. Além de todo o respeito histórico, também admiro muito a musicalidade deles”.
Letieres ainda realiza hoje, das 18h às 22h, um workshop que consiste em uma prática coletiva com estudos e repertório desenvolvido para o curso. Está aberto tanto para percussionistas quanto para alunos de instrumentos de sopro.
“O workshop é baseado no despertar, na conscientização de que a música brasileira é organizada a partir de música de matriz africana. A gente vai pegar o samba, o frevo, a bossa nova, essa música e dar um passo atrás pra tentar identificar essa matriz e tentar mostrar a composição do ritmo. O ritmo é uma proposição que você precisa recorrer ao recurso da oralidade. Vamos trabalhar a conscientização através de várias vivências”, explica.
A inscrição custa R$ 70 e pode ser feita através do telefone 99927.9258 ou pelo e-mail mari.marileide@gmail.com.