Quando conversou com a reportagem do JC em abril, por ocasião da vinda ao Recife para o show de relançamento do Ainda Há Tempo, Criolo falou sobre as experiências que o inspiram a dividir com o mundo suas criações. Os pais, seu Cleon e dona Maria Vilani, assim como os irmãos e sobrinhos foram citados com carinho como motivadores de textos, ideias, músicas.
Três meses depois, o paulistano volta à cidade, dessa vez, pondo em segundo plano a persona MC. Num show onde canta sentado, com banda de fundo, ele apresenta os dez sambas que compôs e gravou em Espiral de Ilusão, quarto álbum de inéditas. Ao telefone, o paulistano contou que a relação com o samba caminha ao lado da afetividade que sempre invoca ao falar da comunidade onde cresceu, rodeado por sonoridades vindas dos mais variados estados brasileiros.
“Desde pequeno foi a primeira coisa que aconteceu na minha vida e em todos lugares do mundo é a referência maior sobre a música daqui. Dentro do próprio hip hop essa riqueza sempre esteve presente. É uma expressão maior, que traz historia, cultura, questões sociais” relembra. “A memória que eu tenho não é de nomes, de artistas, mas de ambiente. Eu morava numa casa simples, no Jardim das Imbuias, onde sempre tinha forró e também Ney Matogrosso e Raul Seixas porque minha mãe é louca por eles. E tinha meu pai ouvindo Martinho da vila”.
A vontade de registrar os muitos escritos – ele conta as dez escolhidas saíram de mais 40 composições – que foi desenvolvendo a partir das memórias dos tempos em que acompanhava o pai nos jogos de várzea, onde a música ambiente era sempre um samba, detalha, se tornou sonho. “Principalmente de uns dez anos pra cá, até mesmo durante a época de levantar algumas músicas do Nó Na Orelha (2011), já existia essa vontade. Mas só tive a coragem mesmo agora”.
Contrapondo o estranhamento de alguns fãs ávidos por novas rimas, ele explica que não sente diferença em escrever versos para cantar em cima de beats ou de instrumentos de percussão tocados ao vivo. “Não tem [diferença]porque pra mim tudo é movido a sentimento, na mente, minha vida, eu não vejo distinção. A gente se jogou no palco e deixou acontecer, eu também to tentando entender tudo isso, porque não tem uma fórmula de como funciona”. Não a toa, Linha de Frente e Fermento pra Massa compuseram a tracklist dos anteriores Nó Na Orelha e Convoque Seu Buda (2014), respectivamente.
Munido de letras como a de Menino Mimado, single na qual faz observações políticas e sociais, ele considera que a recepção tem sido a mesma de quando canta rap porque “as pessoas sentem a força da emoção, elas estão muito ligadas à energia”.
Ainda sem muitos detalhes de por onde ainda pretende passar com a turnê, ele garante que, de forma geral, a nova empreitada tem fluido de forma orgânica, assim como a produção do trabalho. “A gente organiza, vai aqui, ali, mas não tem domínio sobre isso. E foi tudo muito rápido [todo o processos de feitura do disco levou cerca de 40 dias] ou então não acontecia”, confessa.
Os fãs podem esperar um segundo disco de samba? “Eu não tenho ideia. Quem iria imaginar que eu faria um disco de samba? Ou Nó Na Orelha depois do Ainda Há Tempo? Tá tudo muito recente ainda, a gente não é dono disso”.
Filho de nordestinos e adeptos aos discursos elogiosos à capital pernambucana, ele encerra a conversa convocando o público local.
“Eu tô muito ansioso pra voltar pro Recife porque sempre que eu vou aí volto abençoado. Tá todo mundo convocado, vamo lá. Vamo celebrar a vida porque a situação tá osso”.
Para completar o clima de tributo ao ritmo centenário, o cantor Xico de Assis abre a noite cantando sambas clássicos, muitos deles interpretados no show Samba Eu Canto Assim, integrante da programação da Mercearia do Braz, no bairro da Boa Vista.
No repertório, músicas clássicas do gênero, fazendo um resgate de grandes cantores a exemplo de Cartola, Nelson Cavaquinho, Adoniran Barbosa, Noel Rosa e Ataulfo Alves.
Tais ícones devem estar presentes também na discotecagem do DJ 440, responsável pelo som nos intervalos. Fecha a noite o Samba do Preto Velho.