Maria Rita tinha muitos motivos para comemorar em 2017. No início daquele ano, lançou-se na empreitada de gravar um CD e DVD ao vivo para marcar seus 40 anos, 15 de vida artística, dez de Samba Meu, seu primeiro disco dedicado ao ritmo, e cinco de Redescobrir, projeto em que canta o repertório da mãe, Elis Regina. Até então, tudo certo: em julho, registrou o projeto durante show em São Paulo. Porém, na pós-produção, esbarrou em uma série de problemas técnicos e acabou engavetando a obra. O baque foi grande e, durante o período de luto, como ela classifica a sensação, afastou-se daquele repertório. Aos poucos, porém, foi reencontrando sua inspiração e o resultado de sua superação está impresso em Amor e Música, disco que ela lança amanhã em versão física e digital.
“Todas as pessoas que abraçaram o projeto desde o começo sentiram o mesmo luto que eu. Foi uma perda geral. Quando resolvi voltar e fazer o disco, eles falaram ‘diz a hora e o local que a gente vai’. Todos juntos. Foi uma demonstração de carinho, respeito, profissionalismo e amizade”, lembrou a cantora, com os olhos marejados, em entrevista ao Jornal do Commercio, terça, em São Paulo.
Segundo Maria Rita, o retorno ao repertório foi complicado, como quem, ainda marcada pela dor, dá passos com cautela. Ainda assim, seu carinho por canções que faziam parte do que, hoje, ela chama de primeiro momento do projeto, fez com que ela se abrisse novamente.
“Foi um minuto de solidão, de sombra, saudade e tristeza. Uma separação abrupta demais. Mas, para curar um amor mal vivido, a gente tem que encontrar um novo amor, meu bem (risos)”.
Entre as faixas que já faziam parte do repertório e retornaram estão Nos Passos da Emoção, Amor e Música, Cadê Obá, Reza e Pra Maria. A cantora encontra nessas canções elementos de um imaginário mais ligado à espiritualidade, ao inefável. Somados às experiências vividas ao longo dos últimos meses, ganharam ainda um ar de resiliência que permeia todo o disco. Assim como Samba Meu (2007) e Coração a Batucar (2014), Amor e Música é mais uma imersão da intérprete no universo do samba.
Amor e Música marca o fortalecimento de parcerias de longas datas, como é o caso de Saudade Louca, composição de Arlindo Cruz com Acyr Marques e Franco. Arlindo, que está internado há dez meses por conta de um AVC, foi um dos responsáveis por levar Maria Rita ao samba, introduzindo-a nas rodas cariocas. O músico aparece ainda na inédita Cara e Coragem, parceria com Davi Moraes, marido de Maria Rita. Ele compõe ainda Cadê Obá, com Carlinhos Brown, Cutuca, Chama de Saudade e Nos Passos da Emoção, que ele assina com o pai, Moraes Moreira, Marcelinho Moreira e Fred Camacho.
“O disco tem um ponto de intersecção minha com Davi, que está compondo com artistas do samba. Eu também me arrisquei criando arranjos vocais. Então há uma estrutura confortável [de estar próximo a quem se ama], mas com desafio”, reflete.
Pra Maria, composta pelo amigo Marcelo Camelo, captura o espírito esperançoso que a intérprete diz ter querido imprimir ao disco. Há ainda as presenças de Zeca Pagodinho, em Nem Por um Segundo, e Pretinho da Serrinha, na bela Reza. Uma das grandes jóias do disco, no entanto, é Samba e Swing, inédita do compositor baiano Batatinha, falecido em 1997.
“Talvez até de uma forma inconsciente, essas canções sejam manifestações de uma necessidade minha, não só enquanto artista, mas como cidadã, de lembrar da emoção; da cara, da coragem, da emoção e da esperança. Não tenho um processo criativo consciente, então minha relação com minha música é profundamente terapêutica, íntima e agregadora”, reforça.
Com estreia do novo show agendada para 3 de março, a cantora adiantou que já tem data para vir ao Recife: dia 20 de abril, no Teatro Guararapes. Maria Rita contou ainda que fez de tudo para que a primeira apresentação de Amor e Música fosse na capital pernambucana, local com o qual ela diz ter uma ligação especial.
“Dei meus primeiros passos no Recife. Não sei se é a memória afetiva de estar com minha mãe, em um hotel, no Recife, grudada nela, mas tenho um negócio com a cidade. Sou perdidamente apaixonada e a cidade sempre me acolheu muito. Quando fiz o Viva Elis no Dona Lindu, tinha gente no mar. Foi lindo”, lembra.