Carnaval do Recife, de Leonardo Dantas Silva, Jota Michiles: Recife, Manhã de sol, de Carlos Eduardo Amaral, e Arranjando Frevo-canção, do maestro Marcos FM são os livros sobre o frevo que serão lançados amanhã a partir das 15h, no Paço do Frevo, com selo da Cepe – Companhia Editora de Pernambuco. Nunca se lançou tantos livros sobre o gênero como nesta década, desde 1907, ano oficial do seu surgimento. Com exceção de dissertações e teses de mestrado, que devem existir às dezenas, contavam-se nos dedos os livros sobre o frevo, quase todos lançadas em Pernambuco, a maioria fora de catálogo. Carnaval do Recife, por exemplo, um destes livros, tornara-se raridade, ganha uma providencial segunda edição, depois de 19 anos.
Jota Michiles escreveu uma autobiografia, também difícil de encontrar, Cercas e Quintais – Memória de um Compositor (2002). Carlos Eduardo Amaral, com a experiência de quatro outras biografias, todas publicadas pela Cepe, vai mais fundo na história do compositor, trazendo detalhes de vida contada pelos filhos e pela ex-mulher, ao mesmo tempo que esclarece a origem da música de José Michiles da Silva. Um trabalho árduo, que nem o biografado, mesmo sendo bom de conversa, consegue facilitar. Assim como a grande maioria dos autores de frevo, ou mesmo intérpretes consagrados, feito Claudionor Germano, levaram vidas sem muitos acidentes de percursos ou episódios mirabolantes.
Praticamente todos eles sustentaram-se a si e a família com uma fonte de renda mais segura do que a música. No caso de Jota Michiles, como professor da Escola Técnica Agamenon Magalhães (Etepam), na Encruzilhada. Michiles cresceu em Sítio Novo, Olinda (em que também morou Naná Vasconcelos), onde havia muita música nos anos 50. O tio José Adauto Michiles, mais conhecido como o nome artístico de Orlando Dias, foi entre final dos anos 50 até meados dos 60 um dos maiores vendedores de discos do país. Intérprete de bolerões passionais cantados com performances histriônicas. O tio abrigou Jota Michiles no Rio, onde ele teve a primeira composição gravada, pelos Golden Boys.
O marco zero de sua carreira de autor, é Recife, Manhã de Sol, com a qual venceu, em 1966, o festival Uma Canção Para o Recife, deixando na poeira mestre do frevo, a exemplo de Nelson Ferreira. Lançada por Marcus Aguiar (ídolo do iê-iê-iê local), e que não fez sucesso, foi resgatada, na voz de Maria Bethânia, no disco Asas do Frevo - O Carnaval de J. Michiles, que celebrava os 40 anos de carreira do compositor. A filha de Jota Michiles, a jornalista Michelle Assumpção, contribui para que se entenda as fontes de influências do pai: “O meu avô, Wilson Assumpção, trabalhava em boates, à noite, chegou a ser músico de Luiz Gonzaga. Tem um foto do meu avô tocando triângulo com Luiz Gonzaga numa boate”, revela. Ele chegou, segundo ela, a gravar con Gonzagão.
A inclinação musical passou para os filhos. Michelle ressalta que Jota Michiles sempre foi muito exigente, motivo pelo qual ela acabou desistindo de aprender a tocar um instrumento. Com o irmão, Cesar Michiles, foi diferente. Encarou as lições e as cobranças, tornado-se um dos mais talentosos instrumentistas de sua geração, agora dirigindo a Transversal Frevo Orquestra, que renova o gênero, com um inédito naipe de flautas na formação.
HISTORIANDO
Especialista na história de Pernambuco em geral (com uma farta obra), e do frevo em particular, Leonardo Dantas Silva, em Carnaval do Recife apresenta o resultado de pesquisas iniciada há 53 anos, acompanhando a evolução da festa do século 16 até os tempos atuais. A forma de abordar o tempo lembra o estilo de Gilberto Freyre, cada episódio narrado é amparado por fartos exemplos, baseados em pesquisa na imprensa ou em textos de pessoas que testemunharam os fatos, entre estes o inglês Henry Koster (em Viagens ao Nordeste do Brasil), ou o francês L.F Tonelero (em Notas Dominicais). Embora cada parágrafo seja recheado de informações, suas 426 páginas, divididas em 64 capítulos, são de leitura agradável. Em Carnaval do Recife, a história do frevo e outros gêneros que animam a folia é traçada paralelamente, estendendo-se até 2018. Ou seja, Dantas Silva, acrescenta 18 anos da festa ao livro que, nessas quase duas décadas, sofreu mudanças radicais, deixou de ser, por exemplo, do folião que fazia o passo nos clubes ou no asfalto, para se tornar também dos palcos. A obra é fartamente ilustrada, com parte das fotos assinadas pelo autor.
Compositor, músico, arranjador e professor Marcos Ferreira Mendes, ou Marcos FM, durante um curso que ministrava sobre arranjo no Paço do Frevo, deu-se conta de que não havia métodos de ensino do frevo, apenas livros com partituras: “Eu ia no ônibus criando uns exercícios de arranjos e me veio isto à cabeça. Falei com André Freitas, que na época estava no Paço, e ele me disse que eu deveria fazer o manual antes que algum gringo fizesse. Como na época tinha colaborado com um projeto de música armorial da Cepe, ofereci o projeto pra editora”, conta.
Um dos mais requisitados arranjadores da cidade, Marcos FM publicou, em 2017, um livro com arranjos para frevo de rua. Unindo a experiência própria e a análise dos mestres do frevo, ele montou um livro, que pede um mínimo de conhecimento técnico, com vários arranjos e exercícios. “Eu também estudo muito, sempre, e não só frevo, entro pelo jazz, as big bands, mas também Pixinguinha, Anacleto de Medeiros, Zé Menezes, Nelson Ferreira, muita gente”, diz Marcos FM, que escreveu o primeiro arranjo aos 15, quando tocava na Banda 1º de Novembro, de Timbaúba. Seus dois livros iniciam, finalmente, um processo de sistematização do frevo. O próximo livro será sobre o frevo de bloco