Para quê resumir e condensar seus processos criativos quando eles estão sempre em transição? O título Desde Até Então, projeto de estreia do caruaruense Lello Bezerra, pode até parecer uma linha de chegada, mas ao longo dos seus trinta minutos de duração o que encontramos são sonoridades em movimento; entre gêneros musicais, formas e linguagens artísticas.
No concreto, a obra traz influências diversas que vão do clássico ao contemporâneo: Luiz Gonzaga, Mestre Galdino, Siba (seu mentor), Henry Miller, José Condé, Gilson Bezerra, entre outros. A variedade de fontes de inspiração faz com que suas faixas nunca se enclausurem em qualquer conceito homogeneizador – resumi-las em “experimentais”, por exemplo, é um caminho perigoso.
No total são sete composições, todas instrumentais. A produção é de Lello, e do talentoso baterista Sérgio Machado, com quem o pernambucano compõe o coletivo Disgrama. O grupo reúne talentosos artistas de uma promissora cena em São Paulo para impulsionar o lançamento dos seus primeiros projetos (sendo Lello o primeiro deles).
Gustavo Infante, o músico e produtor Everton Oikos, o artista visual Bruno Rocha (Violence) e a cantora de 15 anos, Bebé Salvego, são outros nomes envolvidos.
“Três pessoas atuaram muito para o disco sair. Gilson Bezerra, que me ensinou a fazer essa essas correlações, Siba e o Serginho Machado, o mais gritante deles – o que mais me cobrava o álbum. Eu gerei a síntese da coisa, e o chamei para compor as baterias, como meu cooprodutor”, explica Lello, atualmente na capital paulista. O artista apresentou Desde Até Então no Sesc Pompeia em novembro do ano passado.
Em paralelo aos seus trabalhos com Siba, Mestre Anderson Miguel, Alessandra Leão, Karina Buhr, entre outros artistas, o disco de Lello é o ponta-pé no caminho autoral da sua já prolífica carreira.
“Eu dei início dois anos atrás, depois de pressão de alguns amigos que me rodeiam, que trabalham também com outras liguagens artísticas. Me cobraram uma unidade, porque eu vivia colaborando com os outros. Então eu comecei a dar o primeiro passo, que foi observar tudo que tinha dentro dos gêneros que eu “dominava” (diante das situações que a música me mostrava)”, resume o instrumentista.
Seus processos de composição são carnívoros. As músicas parecem devorar, não uma, mas infinitas fontes artísticas – desde parcerias que o formaram musicalmente, até memórias da sua juventude.
"A ideia surge depois de minhas observações contemporâneas. Todos esses males, depressão, ansiedade, deficit de atenção, e suas relações com o tempo. Não sonora, porque essa concepção está discorrendo, é algo único. Mas na conceituação que está intrínseco. Essa atenção ao presente, atenção ao estado de prospecção de futuro, um remoer do passado, em diálogo com os males contemporâneos", explica.
Um olhar que parte, à princípio, para o eu, mas sempre atento a tudo e a todos à sua volta, ressalte-se. A “unidade” dessas significações (se é que há uma) buscam sempre os riffs da guitarra de Lello, que junto a Sérgio Machado, transita entre gêneros de forma orgânica. Bairro Kennedy, abertura do disco, é um exemplo direto de todos esses processos.
A canção ganhou um videoclipe concebido a partir de estímulos visuais de uma montagem musico-experiemental. A música, dentro do produto audiovisual, assume uma relação pós-diegese; por vezes parece servir de trilha sonora para o clipe, por vezes parece parte indissociável do universo imagético que se apresenta.
Além de atiçar visualmente, Lello também expande o campo semiótico do projeto nas palavras – sem nunca extrair sua aura instrumental. O artista escreveu um faixa a faixa lúdico, com sete contos que acompanham cada composição.
“Bolsista numa das escolas de elite da cidade, acesso a uma classe, a outro mundo, correlacionava, colhia tudo de bom que vivia dos seus mundos – uma observação constante, inclusive com os erros e acertos dos outros. Bairro Kennedy: nome de presidente americano hoje lhe diz muita coisa, e agora sim liga tudo, constata e luta”, diz parte do conto que acompanha Bairro Kennedy.
Os escritos não parecem distantes, e também nem tão perto do que se desenrola no som. A postura varia entre relatos metafóricos e críticos das suas memórias, divagações em períodos longos (o que, aqui, dialoga diretamente com seu fazer artístico) além de diálogos mais direto com o leitor ouvinte.
“Foi criada com outra combinação de elementos para figurar um tempo que passei em Paris numa grande indecisão: voltar para o Brasil ou ficar lá”, explica, por exemplo, o texto da faixa que encerra o álbum, Vida em Vírgulas.
O disco já está disponível em várias plataformas digitais: Spotify, Youtube e SoundCloud. Os contos que acompanham as faixas podem ser lidos nas descrições de cada uma, ou através do site medium.com/@disgramaofficial.