Revolução de 1817, uma história ainda pouco ensinada

Na historiografia e nas escolas, a presença da Revolução de 1817 ainda é discreta
Diogo Guedes
Publicado em 11/03/2017 às 6:57
Na historiografia e nas escolas, a presença da Revolução de 1817 ainda é discreta Foto: Tato Rocha/JC Imagem


A maioria dos estudantes sabe, sem muito titubear, dizer quem foi Tiradentes, o mártir da Inconfidência Mineira. A conspiração que tentava contestar a Coroa Portuguesa nunca saiu do campo dos planos, mas ainda assim se tornou o símbolo da luta pela independência do Brasil. Ao mesmo tempo, poucos sabem dizer um nome que seja que esteve entre os líderes da Revolução de 1817: Domingos José Martins, Padre João Ribeiro, Padre Roma, Bárbara de Alencar ou Cruz Cabugá não significam quase nada para eles, ainda que tenham conseguido tomar o poder e estabelecer, antes de todos, a independência e a até mesmo a República no Brasil por mais de dois meses.

A Revolução de 1817 é fato essencial para se entender a contestação da colônia ante à Coroa. Ainda assim, é um assunto que parece menos vivo na memória – e talvez nas salas de aula – dos brasileiros. Para a historiadora Socorro Ferraz, o tema é de fato pouco abordado, sintoma da falta de ênfase ao estudo da disciplina no País. “A Revolução Pernambucana de 1817 é pouco estudada nas escolas, assim como outros fatos da história do Brasil, porque nunca se fez um estudo do papel da disciplina História e seus conteúdos na formação dos jovens brasileiros”, opina. “Seria interessante se a Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco criasse algum mecanismo que pudesse avaliar o conhecimento da história do Brasil e a expectativa dos jovens em relação ao seu País.”

Com a consolidação do Enem, um teste nacional, nos últimos anos, assuntos vistos como “regionais” como Revolução de 1817 são menos cobrados no exame, como ressalta o professor de história Luiz Paulo Ferraz. No entanto, isso não significa que o movimento não seja abordado em sala de aula: continua parte do conteúdo programático e ainda é valorizado. “Com a instalação da Data Magna e o bicentenário agora, o interesse está maior. Alguns estudantes conhecem até o nome de personagens de 1817, isso me chama a atenção”, aponta Luiz Paulo. 

Com o também professor Rodrigo Bione, Luiz Paulo comanda neste sábado (11/3), das 8h às 10h30, no Parque 13 de Maio, uma aula pública sobre o movimento. É parte do projeto História ao Ar Livre, que acontece em vários pontos da cidade desde 2015. “É uma forma de ocupar a cidade com cultura, fazer com que as pessoas conheçam mais sobre a cidade. É uma aula diferente, com música, poesia. Os temas fogem do que abordamos em sala de aula: é uma conversa mais dinâmica”, descreve o professor.

 

Para incentivar o debate sobre 1817 nas escolas, o Governo do Estado anunciou que vai colocar a Revolução de 1817 como parte do conteúdo programático deste ano. Até 26 de maio, a Secretaria Estadual de Educação recebe redações de alunos de escolas estaduais com o tema da Revolução de 1817. Também vai vai veicular campanha educativa com vídeos feitos pelo grupo Mão Molenga Teatro de Bonecos como forma de popularizar com o público a Revolução de 1817. Na segunda, a Biblioteca Pública do Estado de Pernambuco inaugura uma exposição com documentos sobre o movimento.

PERSEGUIÇÃO

A pouca difusão – ainda mais grave fora de Pernambuco – da Revolução de 1817 não foi algo casual. A Coroa Portuguesa mandou apagar e destruir documentos da época, pois tinha medo de despertar o desejo pela independência. Durante o período monárquico, o movimento foi relegado para ocultar as suas aspirações republicanas. Quando a república chegou de fato, em 1889, a historiografia oficial brasileira já tinha escolhido Tiradentes como herói e seguiu privilegiando os eventos do centro econômico do País.

“A manutenção da integridade territorial era considerada a maior de todas as conquistas da América Portuguesa. Para a elite da época, a hipótese de uma divisão ou separação do território era impensável. Por essa razão, a revolta pernambucana tinha de ser rapidamente jogada no esquecimento. O quanto menos estudada fosse, especialmente em salas de aulas, melhor”, comenta o jornalista Laurentino Gomes, autor de obras históricas como 1808, 1822 e 1889. “E foi o que aconteceu nos dois séculos seguintes, ou seja, um esforço deliberado para esconder o que, na época, era considerado um mal exemplo para as demais províncias.”

 

Para a escritora, psiquiatra e pesquisadora Maria Cristina Cavalcanti, autora do livro Olhos Negros, é triste que ninguém saiba quem é o Padre João Ribeiro, por exemplo, o líder intelectual da 1817. “Para Pernambuco, o único herói de uma revolução é Frei Caneca. Por que um é conhecido e o outro não? Porque com Frei Caneca já havia a imprensa para divulgar ideias. Foi a Revolução de 1817 que ajudou a contribuir para isso, ela é, de certa forma, a mãe da imprensa livre brasileira”, destaca a autora.

ESQUECIMENTO

Para o historiador e cientista político Vamireh Chacon, vencedor do Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra, 1817 é pouco estudado, mas o problema é mais amplo. “Não sou saudosista, mas os brasileiros estão se esquecendo do Brasil. Até Minas Gerais conhece pouco a sua Inconfidência, hoje em dia”, dispara. Segundo ele, a Revolução Pernambucana é essencial porque seu pleitos são atuais – ainda mais quando os rumos do País estão em debate. “1817 é hoje. A Independência ainda é hoje, a República ainda é hoje, e o federalismo da Confederação do Equador ainda é hoje”, vaticina.

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