Visibilidade do brega no centro do debate do Carnaval do Recife

Artistas, pesquisadores e poder público comentam presenças e ausências do brega pernambucano nos polos centrais do Carnaval do Recife
Rostand Tiago
Publicado em 01/02/2019 às 8:04
Artistas, pesquisadores e poder público comentam presenças e ausências do brega pernambucano nos polos centrais do Carnaval do Recife Foto: Foto: YouTube/Reprodução


"Passar pela rua do meu bairro e a rapaziada falar 'poxa, vocês vão cantar no polo do Marco Zero', isso já seria um troféu", reflete o MC Shevchenko, que, em parceria com Elloco, vem emplacando hits no bregafunk como Gera, Bactéria e Tome Empurradão. Não será 2019 o ano da realização deste sonho, com a programação dos polos centrais do Carnaval do Recife (Marco Zero, Arsenal e Pátio de São Pedro) já fechada e com expressões do brega e bregafunk limitadas a uma cena no espetáculo de abertura da festa.

Havia alguns indicadores de que as coisas poderiam ser diferentes. Em maio de 2017, foi aprovada a lei nº 16.044/2017, que garante a preservação do brega como expressão cultural do Estado de Pernambuco. A partir de então, desde o ano passado, o brega deixou de ter um termo proibitivo nos editais que selecionam as atrações para a festa carnavalesca.

Entretanto, os polos do Bairro do Recife e arredores, pautados pela premissa do multiculturalismo, não abraçaram a expressão, causando comoção nas redes sociais. Algumas elaboravam contrastes entre a ausência do ritmo e a repetição de atrações vindas de fora, como a banda Jota Quest, com passagens pela festa nos de 2017 e 2016.

"Com a lei do brega, com o Estado reconhecendo-o como expressão cultural, eu desconfiava que a presença do brega seria operacionalizada, porque agora não haveria mais como usar a desculpa de não ser cultura. Agora, as coisas se afunilam em direção aos conselhos curatoriais. O que me parece estar em jogo é um desconhecimento de um debate mais profundo sobre o que é cultura popular", explica Thiago Soares, professor e pesquisador de comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, autor de Ninguém é Perfeito e a Vida é Assim: A Música Brega em Pernambuco (Outros Críticos) .

Soares diz que há uma visão de cultura popular restrita a manifestações folclóricas, como o maracatu e o caboclinho, que são justamente chanceladas como identidade cultural do Estado, mas o mesmo não acontece com o brega. Para ele, é estranho que o Estado negue que parte da identidade de sua população passe pelo brega, ao não incluí-lo na festa. "O carnaval é a festa que mais se articula ao brega. Ambos giram ao redor de dança, diversão, corpos, diversão e suor. No momento que você nega, a meu ver, é uma visão estreita do que é carnaval, um atualização do carnaval e uma visão mais ampla da cultura popular", elucida. 

"Caso a gente participasse da programação da Prefeitura, várias portas seriam abertas para crescermos mais. É um sonho de qualquer artista como nós, que vem da favela, mostrar para quem vem de fora como é nosso movimento", elabora Shevchenko.
Já Palas Pinho, da Ovelha Negra e Amigas do Brega, acredita haver contradições do poder público com o ritmo, trazendo, por exemplo, artistas do brega de outros estados, como é o caso da cantora Gaby Amarantos.

"Eles fecham os olhos para nós, se apegam em coisas como apologia e duplo sentido, que também estão presentes em diversos outros ritmos. Eu acredito que seja um preconceito político mesmo, já que enxergar o brega com outros olhos é enxergar a periferia. Você gera empregos lá, tira jovens da marginalidade", diz a cantora.

Tanto Palas, como Thiago, acreditam que muito dessa questão passa por um debate de teor moral, que passa por uma discussão moral, em que se fala de duplos sentidos, apologias e sexualização das letras. Ambos apontam que esses aspectos não são a totalidade do brega e que outras expressões culturais carregam elementos semelhantes, mas são chancelados. "Genival Lacerda pode cantar 'ele tá de olho na botique dela', mas quando o MC vem com um duplo sentido, o olhar é outro. Ele é muito mais complexo do que essa chancela moral', afirma Thiago. 

O jornalista e pesquisador GG Albuquerque comenta também sobre potenciais fomentos que um reconhecimento maior do poder público para com o brega pode trazer, principalmente após ter sido provada sua capacidade de autogestão, evoluindo sem auxilio estatal.

"Estamos falando de uma economia criativa que nunca dependeu da legitimação do Estado. É só ver o que Belém faz com o techno brega, como campanha de turismo mesmo. Se é pra ser multicultural, não dá pra ser higienista, abraçando até mesmo o caboclinho e o maracatu por um viés folclórico, que são ritmos . O bregafunk faz conexões com a cultura pop global como fazia o manguebeat", afirma.

GG também fala em movimentos de reconhecimento da música já fora de Pernambuco, com DJs do exterior tocando o bregafunk, além da conquista do ritmo em outros circuitos. "Grandes festivais já começaram a inserir o brega em seu processo de curadoria. Acompanhei o MC Tocha no RecBeat, que tem curadoria própria, do ano passado. Ele tocando ali para tanta gente, em um lugar aberto e de graça em pleno carnaval é um momento de reconhecimento significativo para eles. Outros grandes festivais, como o Coquetel Molotov e o Guaiamum Treloso também já começaram essa movimentação", conta. 

O MC Elvis, um dos expoentes do batidão romântico local, endossa essa ideia de visibilidade com uma possível presença em um espaço como o desses polos. "Ali estão pessoas de todas as idades, além de empresas, jornais. Isso é muito importante para gente que trabalha com público e também para nosso currículo. Eles poderiam reconhecer que nosso estilo musical é uma cultura, sim", afirma o cantor.

Respostas oficiais

Ao ser procurada, a Prefeitura do Recife lançou uma nota oficial, ressaltando que o brega terá sua representatividade já na abertura, com o espetáculo Carnaval de Todo Mundo, assinado por Cesar Michiles e Dielson Pessoa, com uma cena inteira protagonizada por nomes como Michelle Melo, Kelvis Duran, Victor Santos e Priscila Senna.

A nota ainda esclarece que a programação completa ainda não foi anunciada, contando com 45 polos, ressaltando que o brega sempre teve e continuará tendo espaço na festa. "Em 2018, apresentaram-se nos palcos do Carnaval espalhados pela cidade vários representantes consagrados do brega, como Banda Camelô, Faringes da Paixão, Banda Lapada, Banda Torpedo e Banda Luminar, entre outros", conclui o documento.

Já a  Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) esclarece que a Convocatória dos artistas é lançada em conjunto com a Secretaria de Cultura, Secretaria de Turismo e Lazer e a Empetur, que selecionam as propostas enviadas e convidam as prefeituras para negociar as contratações. A avaliação é feita por um corpo de parceiristas, observando se a atração corresponde  a categoria que dizem pertencer: Cultura Popular (Palco e Cortejo), Orquestras de Frevo (Palco e Cortejo), Música da Tradição Carnavalesca (Palco e Cortejo), Dança da Tradição Carnavalesca (Palco e Cortejo), Música Popular Brasileira (Palco) e Outros Gêneros Musicais (Palco). A Fundarpe ainda esclarece que não existe restrição a nenhum ritmo no edital, não cabendo impedir ou censurar nenhum gênero musical.

Confira nota da Prefeitura do Recife na íntegra:

A Prefeitura da Cidade do Recife informa que a representatividade do brega no Carnaval 2019 está assegurada já a partir da abertura. Com assinatura de Dielson Pessoa e Cesar Michiles, o espetáculo Carnaval de Todo Mundo, que será apresentado no palco do Marco Zero, no próximo dia 1º de março, terá uma cena inteira dedicada ao brega, que será protagonizada por Michelle Mello, Kelvis Duran, Victor Santos e Priscila Senna (Musa). As bases musicais criadas por Cesar, que serão executadas com a interferência do DJ Junior Cabeleira, promoverão um encontro entre frevos clássicos, como Cala a Boca menino, de Capiba, com uma levada diferente, batizada de frevo-funk-brega.

A Prefeitura esclarece também que ainda não anunciou a programação completa do Carnaval, que terá 45 polos em toda a cidade. Mas ressalta que o brega sempre teve espaço nas programações momescas da cidade e seguirá tendo. Em 2018, apresentaram-se nos palcos de Carnaval espalhados pela cidade vários representantes consagrados do brega, como Banda Camelô, Faringes da Paixão, Banda Lapada, Banda Torpedo e Banda Luminar, entre outros

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