O dia 18 de maio de 2017 não será esquecido com facilidade pelos brasileiros, tampouco pelo mercado financeiro. Na manhã seguinte após a notícia de que Joesley Batista, um dos proprietários da JBS – uma das maiores indústrias de carne do mundo – teria gravado um áudio em que o presidente Michel Temer teria autorizado a compra do silêncio do ex-deputado federal e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, a palavra de ordem era instabilidade. O valor do real teve queda frente ao dólar, diversas ações apresentaram baixa e a bolsa de valores entrou em circuit breaker – fenômeno responsável pela paralisação das atividades após resultados negativos bruscos com objetivo de rebalancear as operações.
A mancha negativa que acompanha o País desde o início das investigações da Operação Lava Jato também tomou proporções gigantescas para a JBS, no centro dos escândalos principalmente a partir da Carne Fraca, que investiga a comercialização de mercadorias adulteradas no mercado brasileiro e no exterior. Os impactos foram tantos que, neste ano, a empresa já perdeu mais de R$ 15 bilhões em valor de mercado e suas ações chegaram a cair mais de 25%.
Com sua postura ética posta em xeque perante toda a sociedade, não é de se estranhar que muitos consumidores desejem fortalecer um movimento de boicote a todas as marcas da Holding J&F, que incluem Friboi, Seara, Havaianas, o Banco Original, Vigor e um canal de televisão (Canal Rural), além da própria JBS. Mas será que o boicote é um instrumento efetivo de posicionamento político e cobrança por punição?
“As pessoas sentem uma carência muito grande de atuação do poder público. A impressão é que, em todas as esferas, existe uma conivência com as grandes corporações, e a Lava Jato está aí para mostrar isso. Como os consumidores se sentem desassistidos, boicotar os produtos é a forma que encontram de manifestar indignação”, explica o professor do MBA de marketing e gestão comercial da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Roberto Kanter. Em uma pesquisa realizada pela consultoria nas áreas de varejo e atacado Dunnhumby, 59% dos consumidores de carne bovina diminuíram a compra e o consumo do produto por causa da Operação Carne Fraca.
Na opinião da coordenadora executiva do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Elici Bueno Checchin, o boicote é uma forma legítima e eficiente para pressionar o poder público e as grandes empresas por questões éticas.
“Apoiamos este e outros boicotes por entender que são um dos importantes instrumentos de pressão da sociedade para que empresas e governantes passem a dar importância à preocupação dos consumidores e criem regulamentos para melhorar a qualidade e a segurança de produtos, condições de trabalho adequadas e postura ética”, aponta, destacando que boicotar materializa as duas maiores armas do consumidor, seu poder de compra e sua liberdade de escolha.
Por outro lado, a JBS há muito deixou de ser apenas uma empresa brasileira. Graças à política das Campeãs Nacionais, implantada pelo Governo Federal ainda na época do presidente Lula, com objetivo de reverter a crise de 2008 e internacionalizar organizações nacionais fortes, a JBS, uma das privilegiadas, adquiriu status de gigante mundial. Atualmente, gera mais de 237 mil empregos, atua em mais de 20 países nos cinco continentes do mundo e impacta toda uma cadeia produtiva, abastecendo varejo e atacado.
Além disso, a Caixa Econômica Federal e o BNDES detém, juntos, 26,24% da empresa. Na prática, significa dizer que uma grande crise da JBS afeta também os cofres dos bancos públicos.
“Este boicote é uma bobagem. A empresa está sendo punida e vai pagar bilhões pelos crimes que cometeu. Deixar de comprar não vai compensar os erros cometidos, ao contrário, só vai prejudicar toda uma cadeia produtiva e a geração de empregos”, diz o pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) e professor aposentado do departamento de economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Cláudio Considera.
Outros impactos do sucesso do boicote seriam o fechamento de unidades da empresa, diminuição de arrecadação de impostos e aumento dos problemas de credibilidade do País como um todo.
Quem concorda que há outras formas de se manifestar politicamente além do boicote é o professor de finanças da Faculdade de Economia e Finanças (Ibmec) e consultor de empresas da Valorum Gestão Empresarial, Marcos Melo. “As pessoas devem cobrar das autoridades competentes uma punição severa para estes casos, e é necessário que se vote melhor. A chance do boicote dar certo é pequena, porque a sociedade está atacando o problema errado. A empresa é composta de milhares de trabalhadores e foram seus dirigentes e diretores, uma cúpula pequena, os responsáveis pelas decisões”, aponta.
A holding J&F fechou, no último dia 31 de maio, um acordo de leniência com o Ministério Público Federal (MPF) para o pagamento de uma multa de R$ 10,3 bilhões ao longo dos próximos 25 anos pelos crimes cometidos. Ao fim do período, o valor futuro deve alcançar a casa dos R$ 20 bilhões. O valor será dividido entre o Funcef (Fundação dos Economiários Federais), Petros (fundo de pensão dos trabalhadores da Petrobras), BNDES, União, FGTS e Caixa Econômica Federal. Haverá, ainda, uma parte dos valores destinadas a instituições sociais. Hoje, o valor de mercado da JBS é de aproximadamente R$ 18 bilhões.