Economista do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) desde 1997, Marcelo Abi-Ramia Caetano recebeu do governo Temer a missão de comandar a Secretaria da Previdência e, consequentemente, conduzir os estudos que levaram à proposta da reforma mais acalentada pela atual gestão. A menos de um mês para a votação – que não é garantida –, o secretário conversou com as repórteres Bianca Bion e Luiza Freitas sobre o momento decisivo.
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JORNAL DO COMMERCIO – Os críticos da reforma proposta pelo governo questionam se o assunto foi discutido o suficiente. Como se chegou ao texto apresentado inicialmente?
MARCELO CAETANO – O governo deu encaminhamento à reforma em dezembro de 2016. Durante sete meses, houve um conjunto de discussões técnicas e com a sociedade civil. A partir daí houve uma tramitação, dentro do processo democrático. Foi encaminhada pelo Executivo e passou por debate no Legislativo. Então chegou-se ao equilíbrio de uma nova proposta a partir dessa conjugação das perspectivas técnica e política.
JC – O senhor era um defensor do texto original da reforma. Mas o que seria ideal e o que é viável?
MC – Na minha perspectiva, a proposta original era ideal. Isso por uma análise técnica. Mas temos que observar que vivemos em um ambiente democrático e isso pressupõe que as propostas venham a passar por debates e, consequentemente, sofram ajustes. Se a gente for ver a dinâmica do que aconteceu até agora, houve um lado bastante positivo com as alterações que vieram a beneficiar as camadas mais carentes da população. A gente vê que a reforma da previdência agora não altera os benefícios de BPC (Benefício de Prestação Continuada), que são os benefícios recebidos por parte da população mais carente. Não altera também os benefícios rurais. A economia total estimada na proposta inicial circulava em torno de R$ 800 milhões. Na emenda aglutinativa, agora, fica na faixa de R$ 500 milhões. Houve uma redução da economia, mas veio beneficiar camadas mais carentes. Então, quando se analisa essa dinâmica, observa-se que houve um lado positivo.
JC – Há um debate sobre mais uma concessão a ser feita para os servidores públicos federais que ingressaram na carreira antes de 2003. É uma possibilidade?
MC – Não há, por parte do governo, qualquer compromisso em relação a alterações sobre o que se estabeleceu na emenda aglutinativa. Então o governo não se compromete a fazer novas alterações. Mas como a gente vive em um ambiente democrático e a votação será em um mês, naturalmente, estamos dispostos a ouvir. Ouviremos, mas de modo algum isso significa um compromisso. Qualquer alteração que surja vai ter que considerar três vetores. Primeiro, o das contas públicas. Segundo, o da igualdade. A alteração perpetua desigualdades ou contribui para reduzi-las? E o terceiro aspecto é a influência que as alterações teriam sobre a percepção da sociedade em relação à reforma e, em função disso, como se consegue um ambiente mais propício para a aprovação.
JC – E se não houver aprovação?
MC – Eu não trabalho com a hipótese da não aprovação, mas, numa hipótese de que isso venha a acontecer, não vejo como o tema não entre no debate eleitoral. Vejo que ele entra com força, em razão da própria agenda do noticiário, da mídia. Então eu creio que o tema será retomado. Os candidatos à presidência terão que se posicionar. E é mais interessante que já se comprometam agora, no início de 2018, com a aprovação, para que em 2019 ele possa trabalhar outros temas e não precise retomar uma pauta intensa e desgastante relacionada à reforma da Previdência. Como qualquer coisa na vida, se a gente tem um problema e prorroga a tomada de decisão para resolver, lá na frente a gente tem que compensar o que deixou de ser feito. 2018 hoje é o futuro, mas quando chegar em 2019 vai ser passado. O tempo vai passar e a reforma vai ter que vir com mais força do que a atual para compensar o que deixou de ser feito.