Logo após o presidente Jair Bolsonaro alterar o decreto sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição no Brasil, na última terça-feira (15), a loja Gatilho, no Pina, Zona Sul do Recife, viu os telefonemas de possíveis clientes da empresa dispararem. “Temos uma média de 20 a 30 ligações por dia, mas da terça para a quarta passamos de 200 ligações”, afirma o dono da loja especializada na venda de armas, Thiago Suassuna, 36 anos. Para atender a demanda, foi preciso até contratar uma pessoa às pressas. “Esperamos agora que essa procura se transforme em compra. Vendemos em média 25 armas por mês, e a expectativa é quase dobrar esse número em 2019”, diz Suassuna, que vende armas de R$ 2,9 mil a R$ 7 mil. Assim como ele, outros representantes do setor acreditam num crescimento do comércio de armamentos no País, mas de forma gradual num ritmo de 25% ao ano. Alguns até criticam o conteúdo do decreto tido como uma das principais promessas de campanha do presidente, já que, para o mercado, na prática, a mudança se dá apenas em relação à derrubada do “poder subjetivo” dado aos delegados federais para indeferir um pedido de registro de posse.
“Muda absolutamente nada em relação aos demais requisitos. Quem pleitear a posse de arma vai continuar a ser submetido a todo o processo. O que está acontecendo hoje é apenas o acesso das pessoas à informação. Temos um contexto de governo com uma das bandeiras de devolver à população o direito de ter a posse de uma arma, aí todo mundo achou que ele está anunciando que não há mais critério nenhum”, diz o consultor das principais empresas de munições e armas do País (CBC/Taurus) para Pernambuco, Alagoas e Paraíba, Marden Santos. Segundo ele, o único número concreto em relação à venda de armas é sobre o número de consultas de empresários que pensam em abrir um negócio no segmento. O consultor diz que o volume de pessoas interessadas nesse mercado nos três Estados cresceu 58% em 2018 ante 2017.
O decreto assinado por Bolsonaro não toca na questão da venda das armas, por isso os lojistas ainda não conseguem sentir nenhum crescimento efetivo na comercialização. Na prática, o decreto aumenta o tempo de registro da arma para 10 anos e permite a posse a moradores de Estados com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes (todos os do País). Entre outros critérios, também é preciso ter mais de 25 anos e não ter sido condenado ou responder a inquérito ou processo criminal. De acordo com Polícia Federal (PF), em Pernambuco, o número de registro de armas ativos já chega a 18.854 mil, sendo 9.522 registros em nome de pessoas físicas. No País, já são 677.771 mil registros ativos, 345.884 mil de pessoas físicas – excluindo-se o número de registros para Caçador, Atirador e Colecionador (CAC), controlados pelo Exército.
No Clube de Tiro Dois Irmãos, em São Lourenço da Mata, o sócio Jorge Durães, notou aumento de 10% na procura por informações sobre a posse de armas. O clube oferece instrução para manuseio de arma, uma espécie de preparatório para o teste de aptidão exigido pela PF. A instrução com 50 disparos custa entre R$ 250 e R$ 300, dependendo do armamento escolhido. “A posse já era direito constitucional, mas as pessoas tinham pouco conhecimento. Para a posse, é preciso fazer um teste psicotécnico e um teste de aptidão, realizado por instrutor credenciado. Eu acredito que a procura deve aumentar sim, infelizmente, o Estado não dá a segurança que precisamos”, comenta Durães.
Para a Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições (Aniam), “dentro das limitações do Decreto”, o presidente foi feliz nas medidas estabelecidas. “As mudanças focaram no que realmente impossibilitava os cidadãos de terem uma arma de fogo para proteção pessoal, de sua família e propriedade, acabando com a discricionariedade”, garante a associação em comunicado. Pelas bandeiras defendidas pelo governo, a Aniam acredita que outras mudanças deverão vir no futuro para “garantir o direito à legítima defesa”. O governo já sinalizou, no entanto, que a viabilização do direito ao porte (para carregar a arma na rua) será feita a passos lentos. Com se trata de uma questão delicada, o governo quer mais tempo para aprovar mecanismos que flexibilizem a regra.
No mesmo dia do anúncio de Bolsonaro, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que o governo agora estuda a redução de alíquotas e impostos que incidem sobre as armas e a abertura do mercado no País. Durante o governo Temer, a Ruag, fabricante de armamentos da Suíça, foi a primeira empresa estrangeira a receber aval para se estabelecer no Brasil. A fábrica que produziria até 20 milhões de munições por ano seria instalada em Pernambuco, mas o projeto foi esvaziado pelo governo suíço, único acionista da empresa, que temia repercussão negativa de sua imagem.