Estados temem perder autonomia sobre arrecadação com reforma tributária

Governadores acreditam que proposta em tramitação trará perda de autonomia
Leonardo Spinelli
Publicado em 25/06/2019 às 7:16
Governadores acreditam que proposta em tramitação trará perda de autonomia Foto: DIVULGAÇÃO


Buscando o protagonismo na condução da agenda econômica para retomar o crescimento do País, lideranças da Câmara dos Deputados querem acelerar a tramitação da reforma tributária. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) disse em seu podcast semanal, lançado nesta segunda-feira (24), que quer “abrir o ciclo da reforma tributária” nesta quinta-feira (27), quando espera ter número para instalar a comissão especial. O texto que tramita na Câmara, no entanto, não agrada os governadores. Eles enxergam que, como está, a proposta trará perda de autonomia sobre a administração das contas.

“Os procuradores-gerais dos Estados estão preocupados com o modelo que está previsto na PEC 45, sobretudo porque não é só ter um imposto único. São os Estados abrindo mão da autolegislação, de sua capacidade de produzir as suas próprias leis. Vivemos numa federação, esse é um dos pilares, com cada ente tendo a capacidade de se organizar politicamente e legislativamente”, diz o procurador-geral de Pernambuco, Ernani Médicis. 

Ele afirma que Pernambuco é a favor da reforma tributária, porque ataca o excesso de legislação de tributos (cada Estado tem a sua própria lei), além de trazer modernização, simplificação e redução de obrigações acessórias, aquelas declarações periódicas que as empresas têm de prestar às três esferas de governo, “que fazem parte do custo Brasil”, diz. 

O texto da PEC 45/2019, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e do economista Bernard Appy foi aprovado no final de maio pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e a comissão especial foi criada no último dia 17.
A iniciativa parlamentar extingue três tributos federais (IPI, PIS e Cofins), o ICMS (estadual) e o ISS (municipal), todos incidentes sobre o consumo. No lugar deles, será criado um imposto sobre o valor agregado, chamado de Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS) – de competência dos três entes federativos –, e outro, sobre bens e serviços específicos (Imposto Seletivo), de competência federal. A transição dos sistemas aconteceria gradualmente num período de 10 anos.

Apesar de a proposta interessar aos Estados, há um conflito de interesses. “Tem que haver a simplificação, mas não a ponto de você perder a autonomia por completo”, diz Médicis, salientando que, como procurador, observa a constitucionalidade do texto.

Segundo ele, a PEC em tramitação tiraria dos Estados o poder de legislar sobre seu principal tributo, o ICMS.
“A nossa grande preocupação é que a autonomia dos Estados não deve estar limitada à fixação apenas de alíquotas, como prevê o texto”, diz Médicis. Na visão dos procuradores, isso significaria perda do direito de fazer suas próprias leis sobre o tributo, que também tem caráter regulador.

“A economia é dinâmica, temos os ciclos econômicos. Às vezes você precisa fazer ajustes fiscais para mais ou para menos em um determinado setor. Uma das funções fiscais do tributo é de indução da economia e a Constituição federal assegura aos Estados fazerem isso. Nossa preocupação é que, talvez, a dose tenha sido demais”, diz sobre a proposta o procurador pernambucano. 

A proposta dos Estados em relação à reforma tributária é debatida no Conselho Nacional de Secretários de Fazenda (Consefaz), e também no Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais. “Passamos a analisar de forma conjunta a proposta. Nosso objetivo é conciliar a simplificação tributária com a manutenção da autonomia legislativa sobre o ICMS, um tema que está na Constituição”, diz Médicis.

NORDESTE

Além da preocupação com a perda de autonomia, há uma questão sensível aos Estados mais pobres. A proposta da Câmara vedaria completamente o instrumento de benefícios fiscais. “A redução das desigualdades regionais é um princípio constitucional”, alega o procurador Ernani Médici, que refuta o argumento da guerra fiscal. Segundo diz, houve uma melhora na legislação e qualquer benefício hoje tem que ser aprovador pelo colegiado dos secretários da Fazenda dos Estados, o Confaz. “Isso é um filtro para evitar a guerra fiscal. Pela proposta na Câmara, você não teria a possibilidade de conceder benefício fiscal, crédito presumido, base de cálculo reduzida. Todas são ferramentas que servem para atrair investimentos de forma a reduzir as desigualdades regionais”, defende. “Um dos grandes fatores de atração de investimento privado dos Estados mais pobres é a concessão de benefício fiscal. Grandes empreendimentos privados vêm através de incentivos.”

A proposta em tramitação prevê a criação de um fundo nacional de redução das desigualdades, encarado pelos Estado como uma nova perda de autonomia. “A Sudene a e a Sudam não cumpriram com o seu papel lá atrás [de redução das desigualdades regionais], justamente porque são fundos federais e que não deram autonomia aos Estados para a sua gestão. Está tudo muito incipiente, precisamos saber dos detalhes para não estarmos nos distanciando dos objetivos da federação”, completa.

O autor do projeto, o economista Bernard Appy, diz que a ideia é trocar o sistema de concessão de benefícios, para explorar a potencialidade dos Estados. Os incentivos fiscais não estão restritos aos Estados mais pobres. São Paulo passou a adotar benefícios para atrair empresas.

Só este ano o Estado concedeu reduções de ICMS para querosene de aviação, setor automotivo e de frutas e verduras embaladas. Estuda, ainda, incentivos para o setor farmacêutico. Mas toda essa isenção tem um custo. O governo paulista estima uma perda de receita no valor de R$ 16,3 bilhões, algo em torno de 11% de sua receita.

“O modelo de concessão de benefícios é ineficiente. Não explora as potencialidades dos Estados e leva ao agravamento da crise fiscal”, disse o economista Bernard Appy em entrevista à GloboNews. “O que propomos é a troca do modelo atual para um que terá alocação de recursos orçamentários para política regional, para os Estados menos desenvolvidos, e vai ser utilizado para explorar vocações regionais, para investir em infraestrutura, qualificação de mão-de-obra e até subvenção para um empresa, se for necessário”, disse.

A equipe econômica do governo Jair Bolsonaro também prepara uma proposta de reforma tributária, que ainda não foi detalhada. O que se sabe até agora é que a proposta deverá prever a união de tributos federais, não incluindo, assim, os impostos estaduais.

SAIBA MAIS

Propostas de reforma tributária esbarram nos interesses regionais

Desafios
- Simplificar/unificar a tributação do consumo preservando a autonomia federativa
- Construir consensos diante de interesses antagônicos
- Flexibilizar o sistema sem por em risco a segurança jurídica do contribuinte e a arrecadação dos entes federados
- Assegurar transição suave entre o sistema “velho” e o “novo”

Razões para a reforma
- Carga tributária elevada, especialmente no consumo
- Regressividade: os mais pobres pagam mais impostos
- Arrecadação baixa sobre a renda, lucro e ganho de capital
- Complexidade tributária atrapalha investismentos
- Conflito de competências gera guerra fiscal
- Anacronismo, não serve para a economia digital

Fonte: Consultoria Legislativa/Câmara dos Deputados

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