'A caatinga tem valor extraordinário'. Especialista aponta saídas para o semiárido

Cientista e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Paulo Nobre fala sobre o que está ocorrendo no semiárido, das possibilidades que a geração de energia solar poderiam representar para os pequenos agricultores do Nordeste
Angela Belfort
Publicado em 03/11/2019 às 7:35
Foto: Foto: Filipe Jordão/JC Imagem


Especializado no estudo do clima, o cientista e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Paulo Nobre fala sobre o que está ocorrendo no semiárido, das possibilidades que a geração de energia solar poderiam representar para os pequenos agricultores do Nordeste. E chama a atenção para uma audiência pública da Aneel que está querendo mudar as regras (passando a cobrar mais impostos) dos pequenos sistemas de geração.

Confira a entrevista

JORNAL DO COMMERCIO – Temos presenciado eventos climáticos extremos. Por exemplo, aqui no Recife, ocorreu, este ano, uma precipitação pluviométrica que correspondeu a 20 dias em 5 horas. Qual a relação com o aquecimento global?

PAULO NOBRE – Esses eventos não estão acontecendo somente no Recife, mas também em São Paulo, na Amazônia, em outros países, na Austrália, Estados Unidos, Inglaterra, na Rússia... O aumento da frequência e da intensidade dos eventos do clima já são documentados mundialmente. Há um aumento exponencial desses eventos extremos que concordam com o que dizem nossas projeções numéricas, das integrações dos modelos climáticos, modelos matemáticos, que utilizamos para prever o que acontece no clima da Terra, quando aumenta a quantidade de mudanças provocadas pelo efeito estufa, o CO2 e outros que têm uma fração maior no calor da atmosfera... Esses aumentos observados são, de certa forma, a comprovação dos estudos numéricos que significam que, no futuro, os eventos climáticos irão se tornar mais intensos e mais frequentes.

JC – Como fica o semiárido?

PAULO – Em Pernambuco, existem alguns estudos, o de doutorado da doutora Francis Lacerda, na UFPE, por exemplo, que mostra que a precipitação do semiárido aqui em Pernambuco tem diminuído. No trabalho que ela publicou, mostra que não só a precipitação tem diminuído no semiárido, como a temperatura tem aumentado. Araripina, por exemplo, teve um aumento em torno de 4ºC, nos últimos 40 anos. E isso é um aumento extraordinário. Imagine que, globalmente, a temperatura da Terra, nos últimos 100 anos, aumentou aproximadamente 1ºC, em média, em todos os continentes. Araripina aumentou 4 graus quase na metade desse tempo. É impressionante.

JC – E o que pode ser feito para amenizar essa realidade?

PAULO – Duas coisas. Uma, em nível experimental, é o projeto de pesquisa chamado Ecolume, coordenado pela professora Francis e lançado pelo CNPq (matéria acima). A base do projeto é a segurança hídrica, energética, e alimentar. Pela primeira vez na história, um produtor rural no semiárido nordestino pode produzir alimentos o ano todo, independente da chuva cair, dependendo da água da chuva guardada. É uma coisa extraordinária. Hoje o preço das placas de painéis fotovoltaicos é o mais baixo que já se chegou na história. É economicamente viável. Isso significa que, no Nordeste, do pequeno produtor rural ao médio produtor, as pessoas que têm áreas degradadas, não têm recurso e praticamente nada, podem produzir energia elétrica. Isso representa de fato, para cada agricultor, uma possibilidade sem precedentes, de transformar a energia do sol em energia elétrica e ter uma renda. A energia elétrica pode agregar valor na produção. Isso fará com que, em alguns anos, haja políticas consistentes de promoção da geração distribuída de energia (produzida em pequenas quantidades). Enquanto estamos conversando, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está fazendo uma consulta pública para mudar a regra da energia gerada pelo sol e produzida por pequenos produtores com a finalidade de taxar, cobrar impostos, diminuir as vantagens dessa geração. Os prefeitos, os deputados da região, os governadores têm que entenderem que o Nordeste é rico em energia, em sol, e isso pode se transformar em renda e riqueza para a região. Outra coisa que tem que ser feita é a revegetação, o plantio de árvores nativas, como o umbu, com a reconstituição da cobertura vegetal da caatinga que têm um valor econômico extraordinário, através dos produtos como fármacos e cosméticos, que podem ser extraídos das plantas.

JC – E por que o Sr diz que é importante agregar valor para o semiárido ser um exportador?

PAULO – Vou dar um exemplo: Um quilo de banana, produto da Zona da Mata, custa R$ 30. Mas se você for no Porto do Recife ou no Aeroporto de Brasília, e comprar uma banana fatiadinha, sem fibra, o quilo custa R$ 99. Então, a agregação de valor à produção do semiárido, das frutas, e dos demais produtos agrícolas da caatinga produziria muito mais riqueza. A energia elétrica produzida na propriedade agregaria mais valor a essa produção. Isso pode mudar o patamar do semiárido para o exportador de iguaria. É uma revolução bem grande.

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