Em algumas situações, o mundo sem sons pode ser mais confortável para quem nasceu sem escutar. Foi apenas depois de conhecer o paulista Alan Godinho, 32 anos, que o pernambucano Renê Hutzler, 39, conseguiu ressignificar a sensação de velejar. Com o parceiro radicado no Recife, ele descobriu o quanto a atividade pode ser prazerosa. Ambos têm 100% de déficit auditivo e criaram códigos para se comunicar nas regatas da classe dingue. O improviso garante o sucesso da dupla nos torneios. Com a dinâmica do barco, é praticamente impossível eles usarem as mãos para fazer os gestos da língua brasileira de sinais (libras).
“Antes eu velejava com pessoas sem deficiência. Falam muito. Não sentia o que sinto hoje. Não têm paciência. Não tenho nada contra elas, sou amigo de todos com quem velejei, mas é complicado. Só descobri essa sensação boa quando comecei a velejar com Alan. A relação é importante. Ele é calmo e consciente”, contou Renê.
No barco, eles estabeleceram que cada cabo tem um significado. Também adaptaram alguns gestos simples da libras para sinalizar ações durante a competição. “Quando bato no barco uma vez, está no momento de parar e montar a boia. Duas vezes, precisamos soltar o burro (peça associada à vela)”, contou Renê.
Competindo contra velejadores sem qualquer deficiência, os dois estrearam em maio do ano passado no Campeonato Pernambucano da classe. Ao término da temporada, ficaram com o terceiro lugar geral. Também acumulam um quarto lugar no Norte/Nordeste. O próximo desafio deve ser o Brasileiro da categoria, marcado para novembro, em São Paulo.
“Eu tenho planos. Penso no futuro. Se, um dia, Alan voltar para São Paulo, vai ensinar outro surdo a velejar. E eu vou encontrar outro parceiro assim. Quero que isso seja disseminado Brasil afora e mais pessoas com deficiência possam estar na vela”, finalizou Renê.