A aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que limita o crescimento dos gastos públicos à taxa da inflação pelos próximos 20 anos, será "desastrosa" para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil, segundo o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich. Pesquisadores temem que o resultado seja um congelamento do orçamento dedicado hoje ao setor, considerado extremamente baixo.
"Se continuarmos na situação atual por mais 20 anos será mortal; vamos voltar ao status de colônia extrativista", disse Davidovich à reportagem. "Na verdade, não digo nem 20 anos. Se for cinco, já será extremamente complicado."
O orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (hoje chamado MCTIC, após fusão com a pasta das Comunicações) encolheu consideravelmente nos últimos anos. Em valores corrigidos pela inflação, é quase 30% menor do que dez anos atrás, e aproximadamente metade do que era em 2010. "Estamos partindo de um patamar muito baixo", diz Davidovich, físico da Universidade Federal do Rio (UFRJ). "Vamos ficar estacionados numa situação que já é muito ruim."
Aprovada com folga em primeira votação na Câmara do Deputados, no dia 10, a chamada PEC do Teto determina que os gastos do poder público federal só poderão crescer ao mesmo ritmo da inflação pelas próximas duas décadas - com possibilidade de alterações a partir dos primeiros dez anos.
"É um cenário trágico para a ciência", diz a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Helena Nader. Ela teme uma fuga em massa de cérebros para o exterior, caso a situação de perpetue dessa forma. "O que estamos dizendo para os nosso jovens cientistas é: se você tem condições de ir embora do Brasil, vá; porque aqui a ciência não é valorizada."
"Vamos voltar à realidade da década de 1990, quando a única saída para ciência, tecnologia e inovação no Brasil era o aeroporto", diz o bioquímico Jerson Lima da Silva, professor da UFRJ e diretor científico da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
Segundo ele, o sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação vinha crescendo e funcionando bem desde o início dos anos 2000, até que os investimentos começaram a encolher em 2011 "O sistema só não entrou em falência total até agora porque tem uma certa inércia", avalia.
Segundo o MCTIC, a PEC 241 não representa um "congelamento" de investimentos, pois não impõe um limite máximo às despesas de nenhum setor em particular. Trata-se de um teto universal para todo o orçamento federal. Ou seja, o governo terá flexibilidade para distribuir recursos como achar melhor entre uma área e outra.
"Nada impede que o Poder Executivo ou o Poder Legislativo fixe despesas para a ciência acima do exercício anterior, desde que outras despesas sejam ajustadas para acomodar tal elevação ao limite total do conjunto de gastos", afirma a pasta.
As expectativas da comunidade científica com relação a isso, porém, são pouco otimistas, já que o setor tem tradicionalmente pouco peso político nas decisões de Brasília. "A PEC coloca uma série de incógnitas, mas dá para adivinhar o que vai acontecer", prevê Davidovich. "A competição por recursos será muito dura."
O orçamento do MCTIC este ano é de R$ 4,6 bilhões, dos quais cerca de R$ 500 milhões estão contingenciados (indisponíveis). O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) enviado pelo governo federal ao Congresso no início de setembro prevê um aumento da ordem de 20% nos recursos para ciência, tecnologia e inovação em 2017. Ainda assim, considerada a inflação deste ano, o valor continua sendo bem menor do que dez anos atrás.
"À medida que houver crescimento econômico, haverá crescimento do orçamento", disse o ministro do MCTIC, Gilberto Kassab, ao Estado. Ele garante que o governo está sensível às preocupações dos cientistas e à necessidade de aumentar investimentos no setor. "Sem a PEC 241 a preocupação seria muito maior. Com certeza a situação será melhor."
O PLOA 2017, segundo Kassab, já foi planejado prevendo a aprovação da PEC. "Iniciamos uma recuperação que pretendemos seja gradual e perene da verba destinada à área científica em anos anteriores. Acreditamos que esse objetivo poderá ser atingido nos próximos anos porque a PEC 241, além de controlar a crise fiscal, seguramente dará mais confiança à iniciativa privada e aos investidores", diz a pasta.
"Você acha que o mundo vai ficar esperando o Brasil? Vamos andar 20 anos para trás", diz Nader. Ela propõe que as áreas de Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação sejam isentas do teto imposto pela PEC, por serem estratégicas para o desenvolvimento do país.
A proposta ainda precisa passar por uma segunda votação na Câmara e pelo plenário do Senado.