Os pilotos também transportaram tropas de Río Gallegos e Comodoro Rivadavia até as Ilhas Malvinas. Gabriel Salomón, 48 anos, cumpria o serviço militar em Rivadavia, província de Chubut. Havia sido incorporado como soldado dois meses antes, em 1º de fevereiro de 1982. Salomón entrou no avião sem saber aonde iria. Ao desembarcar, o chefe do grupo, um cabo, disse que estavam no aeroporto de Ushuaia, na Terra do Fogo. Salomón só se deu conta de que estava nas Malvinas quando viu as placas todas em inglês. Ele logo recebeu a ordem de cavar uma trincheira de 25 metros quadrados. Seria sua casa pelos próximos dias. “Nos combates francos, os bombardeios navais eram feitos por eles a 20 km de distância. Não havia como nos defendermos, já que não tínhamos artilharia com este alcance.”
Em uma das patrulhas, Salomón viu a morte de perto. Perdeu três companheiros em um ataque que provocou um incêndio na base. Mas a lembrança mais dolorosa foi a morte de José Ortega, amigo de infância. “Combatemos em regimentos diferentes. Foi um golpe muito duro saber que ele havia morrido. Até hoje guardo uma grande lembrança de nossa amizade.”
Solomón não sabia a procedência das armas que usava. “Nossos chefes nos contavam sobre voos secretos, mais do que tudo para dar ímpeto no combate. Mas a gente nunca soube de onde saíam os armamentos, assim como a comida e toda a logística. Senti um grande orgulho destes homens”, afirma.
As privações, a saudade de casa, a incerteza do dia seguinte, nada disso foi maior que o “orgulho” de guerrear por seu país. “Combati contra um inimigo estrangeiro que está usurpando umas ilhas que não são só minhas, creio que pertencem aos latino-americanos, e a honra de defender minha pátria me faz pensar que meu sacrifício esteve à altura das lutas pela libertação de meu país”, enfatiza.
O reconhecimento foi tardio. No ocaso da ditadura, os militares esconderam do povo os ex-combatentes. Maculados, não conseguiam sequer emprego. Raúl Alfonsín (1983-1989), primeiro presidente civil, ignorou os clamores dos veteranos. Só com Carlos Menem (1989-1999), é que eles tiveram direito a uma pensão.
Salomón vive hoje em Trelew, Chubut, na Patagônia. É casado há 21 anos, tem dois filhos e uma empresa de pesca. Tinha apenas 18 anos quando foi à guerra. “Não era mais a mesma pessoa” quando voltou. O conflito deixou sequelas. Três décadas depois, as memórias daqueles longos dias surgem no meio da noite. Tiram o sono. Mesmo assim, não titubeia em asseverar o clichê: faria tudo de novo. “Se tivesse que voltar a defender minha pátria para recuperar as Malvinas, não tenho dúvida de que voltaria para lá”.
Gabi, como é conhecido, agradece ao Brasil pelo apoio – mesmo que velado – durante a guerra: “A única coisa que não nos liga, argentinos e brasileiros, é o futebol. No resto, somos irmãos”.