Francisco deu um presente ao mundo no dia 17 de dezembro, data do seu aniversário de 78 anos: ajudou a sepultar definitivamente o século XX, por meio da normalização das relações diplomáticas entre os Estados Unidos e Cuba, rompidas há 54 anos no auge da Guerra Fria. “Quero agradecer à Sua Santidade, cujo exemplo moral nos mostra a importância de buscar o mundo que deveríamos ter, em vez de nos contentarmos com o mundo que temos”, disse o presidente Barack Obama. E o mundo todo se curvou ao “milagre” operado pelo papa, que participou de alianças secretas durante vários meses e mandou mensagens pessoais tanto a Obama como ao presidente de Cuba, Raúl Castro, convidando-os a “resolver questões humanitárias de interesse mútuo”, chegando a oferecer o Vaticano como espaço neutro para encontros.
“Foi uma iniciativa que desenterrou um dos derradeiros fósseis desse período de polarização mundial. Excetuando a Coreia do Norte, Cuba era o último resquício da Guerra Fria, e o papa Francisco teve a habilidade de aproximar as duas nações exatamente no período pré-natalino”, avalia Thales Castro, professor de relações internacionais da Universidade Católica de Pernambuco e Faculdade Damas. Ele considera que a retomada de relações é “o mais relevante fato no campo da política internacional desde a queda do Muro de Berlim, em 1989”.
“Esta boa-nova nos mostra que Francisco é capaz de provocar constantes e surpreendentes gestos, mesmo os ocultos que terminam por sair debaixo da mesa e vir à cumieira das casas, como diz o Evangelho”, comemora por sua vez Severino Vicente, professor de História da Universidade Federal de Pernambuco. Vicente destaca que Francisco está ajudando a “organizar uma nova política, como o fizeram João XXII e João Paulo II, o primeiro abrindo espaços para a América Latina e as igrejas da Ásia e África, e o segundo interferindo no processo de decomposição do império soviético”.
Mundo afora, a dimensão da novidade gerou comemorações e críticas. Há quem considere que Francisco estaria extrapolando o espaço pastoral que lhe seria devido. O fato é que Francisco enxerga, claramente, a importância de sua atuação política. Ele já declarou, durante uma homilia em 2013, que um bom católico deve empenhar-se nesse sentido: “a política é uma das formas mais elevadas da caridade, porque serve ao bem comum. Eu não posso lavar as mãos”.
“O papa é considerado um monarca, um chefe de Estado, e por isso, além de liderar a Igreja Católica, tem sim um importante papel político e diplomático a desempenhar”, frisa Thales Castro. Mais do que qualquer de seus antecessores, Francisco vem procurando exercer essa função de articulação e visibilidade.