China como o novo dono do mundo

Enquanto grandes potências tentam se recuperar da crise de 2008, o Novo Império Chinês se consolida. É o que mostra a reportagem especial do JC, que começa hoje e segue até a próxima terça-feira(23)
MARCOS OLIVEIRA
Publicado em 20/06/2015 às 18:04
Enquanto grandes potências tentam se recuperar da crise de 2008, o Novo Império Chinês se consolida. É o que mostra a reportagem especial do JC, que começa hoje e segue até a próxima terça-feira(23) Foto: BC


“A China é um tigre que dorme. Não acordem o tigre. Quando a China acordar, o mundo tremerá”. Esta segunda frase da profecia de Napoleão, proferida há 200 anos, é hoje uma realidade que deixa espantado todo o mundo neste início de século 21. O tigre acordou e ruge cada vez mais alto. Enquanto as maiores potências parecem atordoadas, ainda tentando se recuperar da grave crise econômica de 2008, e os países, em sua maioria, se preocupam apenas com questões voltadas para dentro das próprias fronteiras, os chineses avançam conquistando influência política, econômica e cultural nos quatro cantos do globo. Estamos assistindo não o surgimento, mas a consolidação do Novo Império Chinês.

O país que conta com a maior população – 1,3 bilhão de habitantes –, a segunda maior economia – atrás ainda dos Estados Unidos – e a terceira maior extensão territorial do mundo anuncia planos que confirmam a propensão ao protagonismo nas relações internacionais. Um dos mais audaciosos é a Nova Rota da Seda. Essa ofensiva tem o objetivo de expandir a liderança geopolítica para muito além do Sudeste Asiático. Com quase 8 mil quilômetros, partirá da cidade de Xi´an, na China, e por meio de um intrincado sistema de cabos de fibras óticas, estradas, ferrovias e oleodutos atenderá dezenas de países no caminho até Veneza, na Itália. O custo pode ultrapassar os US$ 40 bilhões. Segundo autoridades chinesas, a edição do que é chamado de um novo Plano Marshal – programa dos EUA que reergueu países europeus após a Segunda Guerra – já conta com o apoio de mais de 50 nações e estaria nos acordos finais.

Outro empreendimento que desde as primeiras movimentações causou calafrios na atual maior potência mundial, os Estados Unidos, foi a criação do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB, na sigla original), do qual o Brasil foi anunciado em março como membro fundador. O AIIB deve entrar em operação até o fim de 2015 com um capital inicial na ordem de US$ 50 bilhões (R$ 161 bilhões). Com ele, os chineses querem diminuir a influência econômica dos EUA, representada em instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Esses anúncios mostram a consolidação chinesa, mas também a dificuldade dos Estados Unidos em acompanhá-la. É o que afirma um dos mais importantes estudiosos sobre o avanço da China, Luís Cunha, doutor em relações internacionais e autor de livros como China na Grande Guerra. Em entrevista ao, o especialista português, que se prepara para lançar China’s Techno-Nationalism in the Global Era: Implications for the European Union (ainda sem data prevista para o Brasil), lembrou que aliados dos norte-americanos, como o Reino Unido, são membros fundadores do AIIB.

Além da administração Obama mostrar dificuldades em executar o seu plano de parceria econômica com a Ásia-Pacífico. A teoria da transição dos poderes diz que o ponto crítico é atingido quando a potência desafiante atinge cerca de 80% do poder da nação dominante. “Este cenário, no confronto com os EUA, está se aproximando a passos largos”, frisa Cunha. Mas para atingir os 20% restantes, desafios fundamentais precisam ser solucionados, segundo o professor da Fundação Getúlio Vargas e organizador do livro O que quer a China?, Matias Spektor. Ele aponta “um sistema político e a falta de um serviço militar de ponta” entre as questões essenciais.

Internamente outros problemas aparecem. Embora o número de chineses vivendo abaixo da linha da pobreza tenha caído nos últimos anos diminuiu 16,5 milhões em 2013, de acordo com o Gabinete Nacional de Estatísticas da China –, a disparidade entre pobres e ricos aumentou. É o que mostra um estudo do Centro de Planejamento Familiar da Universidade de Pequim. Os 5% mais ricos do país detêm 23% da riqueza, enquanto os 5% mais pobres ficam com apenas 0,1%. As condições trabalhistas são outro problema, com milhões de chineses trabalhando em situações desumanas por mais de 12 horas por dia.

Porém, não é só de desigualdade que a pressão interna é feita. Casos de corrupção, envelhecimento da população e a poluição atmosférica também preocupam. Além disso, questões separatistas são constantemente catalisadoras de distúrbios. Os tibetanos, por exemplo, lutam pela libertação do seu país, submetidos há 50 anos ao domínio dos chineses. Mesmo que estes pontos dificultem a estabilidade chinesa, Luís Cunha é enfático: “O ano de 2015 vai ficar para a História como aquele em que a China deu o salto para uma emancipação de consequências imprevisíveis”. 

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