Cercado por toda a cúpula militar da Venezuela, o ministro da Defesa da Venezuela, general Vladimir Padriño López, afirmou nesta quinta-feira (24) que a autoproclamação do líder opositor Juan Guaidó como presidente interino é uma tentativa de “golpe de Estado”. Além da mensagem de Padriño, transmitida pela TV estatal, pouco antes, oito generais que comandam regiões estratégicas da Venezuela ratificaram sua “lealdade e subordinação absoluta ao presidente constitucional da Venezuela”, em mensagens divulgadas pela emissora. “Leais sempre, traidores nunca”, disse um deles.
Na quarta-feira, Guaidó convocou as Forças Armadas para se colocarem “ao lado do povo que sofre e da Constituição”, e voltou a estender a mão aos que abandonarem Maduro com uma oferta de anistia, objeto de lei aprovada pela Assembleia Nacional de maioria opositora. Para analistas do Eurasia Group, obter o reconhecimento do alto comando militar é vital para que Guaidó possa liderar uma transição, de modo que uma “queda de Nicolás Maduro não parece iminente”.
Para o professor titular de ciências políticas Universidade Federal da Pernambuco (UFPE), Marcos Guedes, o impasse poderá gerar mais episódios de violência no País, inclusive com o risco de escalada bélica. “A autoproclamação do presidente da Câmara é mais um elemento do impasse, que se espera que vá para algum tipo de negociação política, que leve a eleições e transição democrática. Contudo, o quadro que se anuncia é talvez de conflito armado”, afirmou, não descartando uma guerra civil, no caso de racha da cúpula militar, ou até um enfrentamento com a Colômbia.
O professor de política comparada da UFPE, Ricardo Borges, concorda que há o risco de a escala de violência ultrapassar as fronteiras. “Um governo encurralado tenta guerrear para conseguir apoio interno e a Venezuela tem problemas com a Colômbia e Guiana Inglesa, que envolvem a crise migratória e território.” Ele avalia, no entanto, que o risco de uma guerra contra Colômbia é menor do que com a Guiana, já que o primeiro tem o exército mais bem treinado da América do Sul, é experimentado na luta contra a guerrilha das Farcs, além de ter uma força aérea razoável. “A Guiana tem um exército pequeno e Maduro poderia tentar tomar o seu território, mas é difícil calcular isso”, diz. “Há ainda a possibilidade de Maduro demorar vários anos no poder, a questão é o tamanho da manifestação popular e de como os militares vão reagir. Mas, de qualquer jeito, vai ter muito sangue nessa história.”
Os distúrbios registrados em meio aos protestos contra o governo de Nicolás Maduro que estouraram há quatro dias deixaram 26 mortos, informou ontem a ONG Observatório Venezuelano de Conflito Social.
Ricardo Borges lembra que a Venezuela detém as maiores reservas de petróleo do mundo, mas também é o único país petrolífero que vive em crise cambial. “Eles usam o petróleo para comprar armamento da China e da Rússia (países que apoiam o regime bolivariano). O insumo é a única coisa que salva a economia do colapso completo. É o que dá dinheiro para Maduro pagar altos salários aos militares e à cúpula do Judiciário e se manter no poder. O petróleo não serve ao país, mas ao governo.”
O professor Marcos Guedes salienta que a tendência é de a Venezuela se fechar cada vez mais. Ele avalia que o petróleo tem influência sobre a reação dos países ao governo bolivariano, mas destaca que seria ingenuidade achar que o País vive uma democracia plena. Thales Castro, professor de Ciências Políticas da Universidade Católica de Pernambuco, argumenta que o conflito resulta num “país em ebulição e destroçado economicamente”. “E o mais grave, há a multiplicidade de crises. Não é só economia, é política e humanitária também, a insegurança não é só urbana, é alimentar e nutricional, atingindo principalmente as crianças.” O número de refugiados saídos da Venezuela já passa de 3 milhões de pessoas, segundo o Alto Comissariado da ONU para refugiados (Acnur).
Os professores ouvidos pelo JC avaliam que o Brasil vem mantendo a tradição de não interferir em assuntos internos de outros países. “A posição do governo brasileiro é coerente com a sua tradição de não influenciar. Dá apoio à oposição mas é um apoio político. Apoia e fica sentado”, diz Borges.