O Congresso da Bolívia trabalha nesta quinta-feira (21) para aprovar o quanto antes uma lei convocando eleições gerais e conter a crise no país, que já deixou 32 mortos em um mês de protestos.
Nesta quinta-feira, milhares de pessoas marchavam de El Alto para La Paz, cidades separadas por poucos quilômetros, com caixões de cinco dos oito mortos em uma operação das forças militares e policiais nas imediações de Senkata, uma fábrica de distribuição de combustíveis.
Os confrontos aconteceram depois que os agentes de segurança liberaram a saída de caminhões destinados a amenizar a escassez de combustível na capital, afetada pelos bloqueios de rotas e onde as filas se multiplicam para encontrar gasolina, gás e comprar galinhas e vegetais. "Justiça, justiça!", clamaram os manifestantes na passagem com os corpos.
"Eles nos crivaram de balas. Isso é sanguinário", disse à AFP Rufino Copa, agricultor de 42 anos que participa dos protestos contra Jeanine Áñez, senadora da oposição que assumiu o poder em substituição a Evo Morales depois de sua renúncia e asilo no México.
Os moradores, que pretendem chegar a La Paz com seus mortos, em um desafio aberto às novas autoridades, acusam as forças oficiais de atirarem contra a manifestação que cercava a distribuidora de Senkata. O governo interino nega responsabilidade pelas mortes. "Queremos justiça, não queremos que essa senhora seja presidente", disse uma mulher indígena com seu bebê de oito meses nas costas.
O Congresso procura apaziguar os ânimos por meio de convocação de eleições e anulação do processo eleitoral de 20 de outubro, em que Morales concorreu a um novo mandato após 13 anos à frente da Bolívia. A oposição, liderada pelo ex-candidato Carlos Mesa, alegou fraude e ocupou as ruas contra o ex-presidente aimará, de 60 anos, enquanto a OEA afirmou ter encontrado irregularidades na votação.
O objetivo é que o Senado "aprove nesta quinta-feira" a convocação de novas eleições, atenda "a essa demanda no menor tempo possível, com um novo tribunal eleitoral com homens e mulheres confiáveis", disse o presidente da comissão que analisa as possíveis convocações, Oscar Ortiz.
O Congresso deve analisar dois projetos que têm o mesmo fim, um de Áñez, enviado na véspera, e o outro apresentado pelo Movimento ao Socialismo (MAS), liderado por Morales e que tem maioria nas duas casas do Congresso.
Situação e oposição devem chegar a um consenso sobre a data das eleições e decidir se Morales poderá se candidatar. Antes disso, eles deverão nomear os sete magistrados do Supremo Tribunal Eleitoral (TSE) após a destituição e prisão de ex-juízes por suposta fraude dos resultados em favor de Morales.
Do exílio, Morales insiste em ter sido vítima de um golpe depois de perder o apoio das forças militares e policiais. Ele se reivindica como presidente em função, já que sua renúncia em 10 de novembro não foi aprovada pelo parlamento. Nesta quinta, o ex-presidente defendeu sua candidatura nas novas eleições, mas deixou claro que poderá abrir mão se isso contribuir para a pacificação no país.
"Tenho direito a me apresentar, mas se isso for em detrimento da pacificação do país, renuncio", afirma Morales, que recebeu asilo político no México, em uma entrevista publicada no site da revista alemã "Der Spiegel".
O governo de Áñez, que se autoproclamou presidente em 12 de novembro, apontando o abandono do cargo por Morales, o acusa de instigar o cerco às cidades para interromper a distribuição de alimentos.
Na quinta-feira, o Ministro do Governo (Interior), Arturo Murillo, apresentou um vídeo com uma voz atribuída a Morales dando instruções sobre o assunto.
As discussões no Congresso sobre futuras eleições se alternam com a tensão nas ruas. Os militares estão em alerta máximo pela suposta tentativa de manifestantes que apoiam Morales de tomar as instalações de Senkata e impedir a saída de um comboio com caminhões de gasolina.
Na quarta-feira, o Ministério da Defesa emitiu um comunicado em que advertia que a usina está "perigosamente cercada por pessoas simpatizantes do MAS", portando explosivos.
A repressão dos protestos aumenta a ira contra o governo de Áñez, que liberou de responsabilidade penal os militares que tentam impor a ordem.
Em seis dos nove departamentos da Bolívia há bloqueios de vias, o que fez o preço dos produtos da cesta básica disparar em até 200% em cidades como La Paz.
Após um mês de convulsão social cresce a rejeição dos indígenas leais a Morales. Gregorio Cusqui, 52, mecânico dentário, rejeita o eventual retorno do ex-presidente diante da violência de seus apoiadores.
"Quero eleições e que o povo decida (...), não é conveniente que ele volte", diz, na cidade de El Alto, reduto do MAS.