A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) deve votar nesta quarta-feira (26) o substitutivo do senador Roberto Requião (PMDB-PR) que tipifica os crimes por abuso de autoridade. A proposta tem sido alvo de críticas, especialmente de membros do Ministério Público e do Judiciário, que estão pressionando os parlamentares por mudanças em pontos da proposta.
Um dos pontos mais polêmicos é o que trata da ação penal privada. Atualmente, a maioria dos crimes prevê ações penais públicas, ou seja, o Ministério Público pode apresentar a ação sem a vítima ou ofendido ter apresentado o pedido. Com a proposta, qualquer pessoa poderá ingressar com uma ação de abuso de autoridade contra um juiz, procurador ou policial, concorrendo com a ação pública.
Na avaliação do secretário de Relações Institucionais da Procuradoria-Geral da República, o procurador da República Peterson Pereira, se o ponto for aprovado, com a redação proposta pelo senador Requião, poderá ocorrer uma avalanche de ações de investigados contra autoridades do Poder Público, o que representaria uma forma de "intimidação" aos órgãos de investigação.
“Esse ponto seria uma inversão no nosso sistema jurídico. Ponderamos ao senador Requião e há uma sinalização positiva de que ele vá retirar esse ponto da proposta”, disse o procurador Peterson Pereira à Agência Brasil na última segunda-feira (24), que esteve na semana passada conversando com senadores sobre a proposta. Conforme Peterson, o próprio procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também se reuniu com Roberto Requião para tratar especificamente desse ponto.
Outro ponto criticado é o chamado crime de hermenêutica que significa punir o agente por divergência na interpretação da lei. Os procuradores defendem que o crime seja suprimido da proposta, mesmo após Requião ter alterado a redação do texto.
Durante a leitura do relatório, no último dia 19, o senador Requião decidiu mudar a redação para que a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura por si só o abuso de autoridade. É necessário que esteja presente a intenção de prejudicar, beneficiar ou satisfazer-se pessoalmente.
“Espero com isso colocar ponto final, afastando injustas ilações de que se tinha intenção de punir magistrados e promotores”, afirmou Requião.
Segundo os procuradores, outro ponto prevê a criminalização para a violação das prerrogativas de advogados por parte de um juiz ou promotor, por exemplo. “Isso coloca a magistratura em uma situação muito delicada. O ruim é que o texto remete para o estatuto da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil, que prevê a criminalização] então qualquer aparente violação das prerrogativas dos advogados seria um abuso de poder. Temos a magistratura, o Ministério Público, a defensoria, mas por que só a violação dos crimes de advogados seria vista como abuso? É um tratamento de exceção aos advogados”, disse.
O texto que será votado amanhã teve na última semana sua terceira versão apresentada em forma de substitutivo pelo relator Roberto Requião. O texto tem como base os projetos de lei do Senado 280/2017; do senador Renan Calheiros (PMDB-AL); e 85/2017, de Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que traz as sugestões entregues ao Legislativo no fim de março pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que colheu opiniões dos procuradores.
O substitutivo propõe uma lei com 30 artigos definindo os crimes de abuso de autoridade. A proposta prevê punição para determinadas condutas, como decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem prévia intimação ao juízo; fotografar ou filmar preso, internado, investigado, indiciado ou vítima, sem seu consentimento ou com o intuito de expor a pessoa a vexame; colocar algemas em preso quando não houver resistência à prisão, ameaça de fuga ou risco; e manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento.
Foram definidos três tipos de punição: obrigação de indenizar, inabilitação para o exercício do cargo por um a cinco anos e perda do cargo, sendo que os dois últimos serão aplicados em casos de reincidência.
Se aprovada, a lei valerá para servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; integrantes dos poderes Legislativo e Judiciário; integrantes do Ministério Público e integrantes dos tribunais e conselhos de contas. Na proposta original, havia uma distinção entre agentes políticos e servidores comuns. Mas Requião rejeitou a diferenciação e justificou que seria uma “segregação descabida”.
“O projeto não é para punir pessoas. É para punir o abuso de qualquer agente público seja o guarda da esquina, o fiscal de renda municipal, estadual, federal, o juiz, o promotor, o deputado, o senador, o país não aguenta mais abusos”, disse. Após a votação na CCJ do Senado, o texto vai para análise no plenário da Casa e depois para apreciação dos deputados federais. Caso o texto dos senadores seja aprovado na Câmara, a proposta segue para sanção do presidente da República.