Um dia após receber a investigação sobre as movimentações financeiras atípicas do ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), Fabrício Queiroz, o promotor Claudio Calo declarou-se suspeito e deixou o caso. A decisão foi anunciada nesta terça-feira, 5, após a repercussão negativa de antigas publicações feitas pelo promotor em sua conta no Twitter, em que compartilhou postagens sobre a família do presidente da República, Jair Bolsonaro, e comentou o caso Queiroz. No documento em que pede a sua suspeição, Calo afirma que se encontrou com Flávio em novembro passado.
O promotor também alegou no pedido de suspeição que, apesar de não ser amigo ou inimigo de nenhuma pessoa mencionada nos autos, se encontrou pessoalmente com Flávio quando este estava na condição de deputado estadual e senador eleito ainda não diplomado. A reunião teria sido antes dos fatos investigados serem publicados pela mídia, no dia 30 de novembro, e intermediado por amigos do promotor que estudaram Direito na mesma sala do parlamentar na universidade.
O objetivo do encontro, segundo ele, era tratar "exclusivamente de questões relacionadas com a Segurança Pública, precisamente com o combate à corrupção e o combate à lavagem de capitais, assim como projetos de leis relacionados com crimes contra Administração Pública e lavagem de capitais". Ele disse que na ocasião sugeriu ao parlamentar, dentre várias outras sugestões, o aumento das penas mínima dos crimes que causam lesão ao erário, assim como dificultar a progressão de regime de cumprimento de pena.
"Neste encontro estiveram presentes este Promotor de Justiça, o referido parlamentar e dois amigos em comum que promoveram o contato pessoal com fins jurídicos, sendo que o contato, repise-se, ocorreu antes mesmo da divulgação pela mídia dos fatos ora investigados.", disse.
As publicações foram reveladas pelo jornal O Globo e confirmadas pelo Estado. As postagens repercutiram nas redes sociais por pessoas que questionaram a imparcialidade do promotor. Ao jornal O Estado de S. Paulo, Calo disse que deixou o caso por uma questão técnica e não por pressão, em razão do Twitter, ou por questão de simpatia ou antipatia pela família.
"Já denunciei pessoas de vários partidos MDB, DEM, PT, PRTB dentre outros", disse. No documento em que pede a sua suspeição, o promotor disse que tomou a decisão "após profunda reflexão jurídica, em respeito à imagem do MPRJ, às investigações e até mesmo diante da repercussão que o episódio vem tendo na mídia".
"Juridicamente, entendi ser mais oportuno que a investigação sobre o senador Flávio Bolsonaro seja conduzida pela Promotoria de Justiça de Investigação Penal tabelar. Não se trata de declínio de atribuição, pois a atribuição, como se sabe, é da 24ª PIP, mas trata-se de questão de cunho pessoal. Desta forma, desligo-me do caso referido", afirmou.
No entanto, afirmou que continuará na condução das investigações sobre os outros dez episódios apontados pelo Coaf envolvendo servidores da Alerj e deputados estaduais não reeleitos.
Em uma das publicações feitas no Twitter que originaram a polêmica, Calo disse que o relatório do Coaf não necessariamente indica crime. "Tecnicamente, o crime de lavagem de capitais é um crime parasitário, acessório, pressupõe uma infração penal antecedente. O fato de haver fracionamento de depósitos bancários e em dinheiro gera suspeitas, mas, por si, não é crime de lavagem, pois pode a origem do dinheiro ser lícita", escreveu, no último dia 21.
Ele também compartilhou posts feitos por Flávio Bolsonaro anunciando que ele iria dar entrevistas à imprensa e um feito pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC), em que ele critica a abordagem dada pela imprensa à viagem de seu pai para Davos.
Antes de se declarar suspeito, Calo havia dito que suas manifestações no Twitter "são de professor de direito, palestrante e articulista". "Não trato de casos em rede social e nem de investigados. Sequer me identifico como membro do MPRJ. Sigo vários parlamentares e governadores, a fim de fazer sugestões", argumentou.
O promotor ressaltou que é integrante de uma associação denominada de Movimento de Combate à Impunidade, que tem membros do MP e do Judiciário e que suas mensagens no Twitter não demonstram preferências políticas, "mas críticas jurídicas, sugestões legislativas e preocupação com erário". "Essa é a pauta", afirmou.
Sobre o retuíte de Carlos Bolsonaro, o promotor disse que a sua interpretação sobre a mensagem principal do vereador não foi a da crítica a mídia, mas, "aparentemente, os poucos gastos com a viagem e menos gastos para o erário". "Não rtt (retuíte) a mensagem do Carlos Bolsonaro porque criticou a imprensa, mas porque afirmou que a viagem a Davos foi pouco onerosa para o erário", disse.
A investigação estava a cargo do procurador-geral de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), Eduardo Gussem, mas o caso deixou de ser de sua alçada porque Flavio Bolsonaro, que era deputado estadual no Rio de Janeiro, assumiu uma cadeira no Senado. O ex-assessor de Flávio foi identificado pelo Coaf em movimentações financeiras atípicas de R$ 1,2 milhão, de janeiro de 2016 a janeiro de 2017, conforme revelado pelo Estado, em dezembro do ano passado.
Nos bastidores do MP, entre os promotores, houve um indicativo de que Calo dificilmente ficaria no caso. "Não há clima para isso", disse um integrante do órgão ao Estado que não quis se identificar. "É muita pressão para quem de alguma forma já externou posições sobre um dos envolvidos", completou.
Já o PSOL entrou com um requerimento no MP do Rio em que pede a suspeição do promotor no caso. No documento, o partido alega que Claudio Calo "é um apoiador costumaz dos políticos Bolsonaro, do ministro Sérgio Moro e de outras figuras da direita brasileira - e faz questão de mostrar isso nas redes sociais". "O caso precisa ser redistribuído por conta da gravidade do caso e das potenciais consequências caso o promotor continue à frente do processo", alegou o partido.
No ano passado, Claudio Calo assinou a denúncia contra os ex-chefes da Polícia Civil do Rio de Janeiro Rivaldo Barbosa e Carlos Leba, acusados de crimes contra a Lei de Licitações. Na ocasião, o Ministério Público pediu o afastamento de Barbosa do cargo, o que a Justiça acabou negando. Até o início da noite desta terça-feira, 5, a assessoria de imprensa do MP não respondeu oficialmente sobre o assunto.