Presidente da OAB descarta pedir impeachment de Bolsonaro

Na última segunda (29), o presidente do Brasil afirmou saber como o pai do advogado desapareceu na ditadura
Da editoria de Política
Publicado em 31/07/2019 às 10:09
Na última segunda (29), o presidente do Brasil afirmou saber como o pai do advogado desapareceu na ditadura Foto: Foto: FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL


Em entrevista à Rádio Jornal nesta quarta-feira (31), o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, descartou que a ordem estaria discutindo um possível pedido de impeachment do presidente Jair Bolsonaro (PSL). "O que há é um pedido de explicações sobre a morte do meu pai, que teve a memória ofendida por declarações do presidente que foram cruéis", disse. Em declaração à jornalistas na última segunda-feira (29), Bolsonaro disse saber como o pai do advogado havia desaparecido no período da ditadura militar.

Sobre o pedido encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado ressaltou que a exigência é para que Bolsonaro esclareça as informações que sabe sobre a morte do desaparecido político, Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira. "Quero dizer aqui ao público que quero saber. Ele tem que que se comportar com a altura do seu cargo, respeitando a Constituição. Eu tenho grande expectativa que o STF leve isso a frente", acrescentou Felipe.

Durante sua fala, Felipe Santa Cruz relacionou as palavras do presidente da República com "a ideia de autoritarismo". Em seguida, o advogado lembrou da solidariedade prestada por parlamentares dp próprio partido de Bolsonaro, o PSL . "O presidente da República está flertando, namorando a ideia do autoritarismo. Eu recebi solidadriedade de deputados do PSL, do campo da esquerda. Quando a imprensa reage com firmeza, a ordem reagem com firmeza, nós vamos colocando um limite nesse discurso autoritário", cravou.

Quando questionado sobre o contato com seus familiares, o presidente da OAB contou que a maior dor que sentiu após a declaração do presidente do Brasil foi a reação que causou em sua família.

"De tudo que meu doeu nas últimas, o que mais me dói é a reação dos irmãos do meu pai. Não há provas, não há nada na pasta que trata da morte do meu pai, houve um esvaziamento sobre a morte do meu pai. Aí depois de 45 anos vem o presidente da República, enquanto corta o cabelo, pegar uma faca e abrir essa ferida", lamentou Felipe. Ele ainda disse que na época do desaparecimento de Fernando Santa Cruz, em 1974, o assunto teria ficado restrito apenas para poucas pessoas. "É uma obrigação constitucional para que ele (Bolsonaro) esclareça os fatos. Agora se ele (Bolsonaro) não sabe dizer, estará atentando contra a honra", completou. 

Por fim, o advogado afirmou que nenhuma denúncia chegou para a OAB, porque a ordem está em recesso. "Esse será um debate para os próximos dias", explicou Felipe.

No próximo dia 26, a família de Fernando Santa Cruz receberá o seu atestado de óbito na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). "Esse atestado vem trazer mais paz, porque traz o que é algo publico e notório", agradeceu o presidente da OAB. No último dia 24, o atestado de óbito foi incluído no sistema da Comissão de Mortos e Desaparecidos. No documento, a Comissão relata que o pernambucano foi morto por "agentes da ditadura". 

Relatório da CNV

Segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), o ex-delegado do DOPS/ES, Cláudio Guerra disse, em depoimento dado no dia 23 de julho de 2014, que o corpo de Fernando Santa Cruz foi transportado da chamada Casa da Morte, um centro clandestino de tortura e assassinato criado pelos órgãos de governo durante o regime militar, localizado em Petrópolis (RJ) para a Usina Cambahyba, no norte fluminense, local onde teria sido incinerado, junto com corpos de outros militantes políticos contrários ao regime.

Ainda segundo o relatório da CNV, Fernando de Santa Cruz e Eduardo Collier Filho, ambos militantes da APML [Ação Popular Leninista-Marxista], foram presos por agentes do DOI-CODI/RJ em 23 de fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro. Os órgãos oficiais do regime alegaram, segundo a comissão, que ambos os militantes políticos se encontravam foragidos e jamais admitiram suas prisões.

Perguntado por jornalistas se o presidente da República estaria contestando a versão oficial sobre o episódio, contida no relatório da CNV, Otávio Rêgo Barros repetiu que a posição de Bolsonaro já havia sido explicitada. "O presidente, sobre esse assunto, já se expressou na saída do Palácio do Alvorada, hoje pela manhã, incluindo a presença dos senhores jornalistas e, posteriormente, a complementou em uma live em rede social à tarde".

Relembre

Tudo começou na última segunda (29) após o presidente Jair Bolsonaro (PSL) prometer contar ao presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, como o seu pai teria desaparecido na época da ditadura militar. "Se o presidente da OAB quiser saber como o pai desapareceu no período militar, eu conto para ele", disse. Segundo informações do G1, antes de falar sobre o pai de Santa Cruz, Bolsonaro criticou a atuação da OAB no caso de Adélio Bispo,  perguntou qual era a intenção da entidade e que a ordem teria impedido o acesso da Polícia Federal ao telefone de um dos advogados do autor da facada.

"Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB?", cravou.

Veja as declarações: 

Ainda em sua fala, Bolsonaro disse que Felipe Santa Cruz não iria gostar de saber do motivo da morte de seu pai. "Eu conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Eu conto para ele", cravou. "Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar às conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco, e veio a desaparecer no Rio de Janeiro", acrescentou. 

Em junho, a Ordem dos Advogados do Brasil já havia se manifestado sobre fala semelhante do presidente contra a instituição. "Para que serve essa OAB?", disse Bolsonaro, citando o boato a respeito de Adélio. "O presidente repete uma informação falsa, que inúmeras vezes já foi desmentida, de que o sigilo telefônico de Adélio Bispo é protegido pela OAB", diz a nota, assinada por Felipe Santa Cruz.

Em 2011, ainda como deputado federal, Bolsonaro afirmou em palestra na Universidade Federal Fluminense (UFF) que Fernando Santa Cruz, pai do agora presidente da OAB, teria morrido "bêbado" após pular o carnaval.

À frente da OAB-Rio, Felipe iniciou movimento em 2016 para pedir ao Supremo Tribunal Federal a cassação do mandato de deputado federal de Jair Bolsonaro por "apologia à tortura ". Ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff, o então parlamentar fez uma homenagem a Carlos Brilhante Ustra, que comandou o Doi-Codi de São Paulo, centro de tortura durante a ditadura.

Fernando Santa Cruz

Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira participava do movimento estudantil, seguindo uma orientação da Ação Popular Marxista-Leninista. Ele precisou sair do Recife, após ser preso em frente da Assembleia Legislativa, e foi morar no Rio. No Carnaval de 1974, Fernando foi preso e, possivelmente, torturado até a morte pelos agentes do DOI-Codi.

Inconformada com o desaparecimento do filho, Dona Elzita dedicou a sua vida à elucidação dos crimes cometidos pelo DOI-Codi durante a ditadura militar, representando a luta das famílias dos mais de 140 desaparecidos políticos. Em 1981, participou da fundação do PT, partido que é filiada até hoje, e do Movimento pela Anistia em Pernambuco. Ganhou notabilidade ao receber o Prêmio Nacional de Direitos Humanos, em 2010, concedido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Nos últimos meses está calada. No balanço da sua cadeira, não lembra mais de tudo o que lhe aconteceu. Porém, o olhar sereno e acolhedor revela uma mãe que, apesar de todo o sofrimento, transborda amor.

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