Em uma carta de final de ano, publicada no dia 26 de dezembro, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco) sugeriu que 2019 foi um ano de ameaça ao combate à corrupção e afirmou que "auditores fiscais viram-se acossados, de todos os lados, por algumas das personalidades mais poderosas do País. De todos os átrios do poder vieram petardos: Executivo, STF, Congresso Nacional, TCU."
O texto diz que o "desastroso vazamento do dossiê fiscal de Gilmar Mendes, em fevereiro, deu início à temporada de caça". O ministro Gilmar Mendes e sua esposa foram citados em uma apuração preliminar de "possíveis fraudes de corrupção, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio ou tráfico de influência". Na época, a Receita Federal informou que não há procedimento de fiscalização em desfavor dos contribuintes e que as expressões usadas no documento interno "não estão amparadas em evidências verificadas durante o procedimento de análise preliminar". O órgão também informou que foi aberto um processo na corregedoria para apurar a divulgação do documento sigiloso.
O compartilhamento total de dados financeiros da Receita Federal com o Ministério Público foi citado na carta. "O ministro Dias Toffoli, atendendo a convite, comparecia à cerimônia de posse da atual diretoria do Sindifisco, na qual brindou os presentes com uma espécie de “spoiler” do seu voto (o original, depois alterado e reescrito) no julgamento, em novembro último, do compartilhamento de dados entre Receita Federal e Ministério Público – entendimento que respaldou, em julho, a liminar deferida pelo ministro a Flávio Bolsonaro, que, curiosamente, também estava presente àquela cerimônia na noite de 13 de fevereiro".
Os auditores também criticaram a determinação do ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU) para que o fisco entregasse ao órgão de controle uma lista com os nomes dos auditores que participaram de fiscalização de agentes públicos nos últimos cinco anos.
No fim do texto, o Sindifisco afirma que os "auditores fiscais não ficarão passivos diante das investidas e não cederão um palmo na sua missão institucional de defesa dos recursos públicos e da justiça fiscal".
Não foram poucos nem pequenos os desafios no ano que se encerra. O ambiente institucional no Brasil, em 2019, foi recheado de incertezas e sobressaltos, como raros em nossa história recente. Mas uma coisa é certa: os Auditores-Fiscais e a Receita Federal estiveram, durante boa parte dos últimos doze meses, no centro dos furacões que varreram a República.
Mesmo as perspectivas mais pessimistas de um ano atrás revelaram-se extraordinariamente tímidas ante a realidade subsequente. 2019 foi o ano do improvável. Numa briga de Davi e Golias, os Auditores-Fiscais viram-se acossados, de todos os lados, por algumas das personalidades mais poderosas do país. De todos os átrios do poder vieram petardos: Executivo, STF, Congresso Nacional, TCU.
O desastroso vazamento do dossiê fiscal de Gilmar Mendes, em fevereiro, deu início à temporada de caça. Estava aberta a caixa de Pandora. Quatro dias depois, numa estranha coincidência, a imprensa trouxe à tona a sigilosa Nota Copes 48, com critérios de seleção para pessoas politicamente expostas, despertando uma reação de autodefesa no mundo do poder. Os Auditores-Fiscais estavam mexendo no “deep state”.
No dia seguinte, o ministro Dias Toffoli, atendendo a convite, comparecia à cerimônia de posse da atual diretoria do Sindifisco, na qual brindou os presentes com uma espécie de “spoiler” do seu voto (o original, depois alterado e reescrito) no julgamento, em novembro último, do compartilhamento de dados entre Receita Federal e Ministério Público – entendimento que respaldou, em julho, a liminar deferida pelo ministro a Flávio Bolsonaro, que, curiosamente, também estava presente àquela cerimônia na noite de 13 de fevereiro.
O resto da novela todos sabem. Gilmar recrudesceria as críticas ao “modus operandi” dos Auditores, sobretudo aqueles ligados à Lava Jato; alguns parlamentares tentariam, sem sucesso, emplacar uma “emenda da mordaça” na MP 870, para restringir a atuação do cargo e a comunicação com o Ministério Público; o STF suspenderia as fiscalizações iniciadas a partir da Nota Copes 48 e afastaria os Auditores envolvidos no procedimento fiscal contra Gilmar; o ministro do TCU Bruno Dantas pediria à Receita os dados individuais de todos os Auditores que fiscalizaram pessoas politicamente expostas nos últimos cinco anos; uma parcela do Congresso retomaria a “emenda da mordaça”, turbinada, no PL 6064/16... Ufa!
Nesse meio tempo, os Auditores voltavam a ser ameaçados por vistorias arbitrárias nas áreas restritas dos aeroportos; o ministro Bruno Dantas abria fogo contra o bônus de eficiência, ameaçando suspendê-lo por supostamente contrariar diretrizes orçamentárias; o Executivo lançava, por meio da PEC 6/2019, a mais drástica aniquilação de direitos previdenciários da história brasileira recente; por meio de Medida Provisória, o governo tentava dificultar o financiamento da atividade sindical, proibindo desconto em folha das contribuições; e por fim preparava um pacote de reforma administrativa radical no serviço público, com previsão de redução salarial, quebra da estabilidade e fim da vinculação de receitas ao financiamento da administração tributária com a consequente extinção do Fundaf, ensaiando jogar a água do banho fora com o bebê junto. Internamente, o processo de reestruturação ia a pique e a regionalização permanecia indefinida.
Apesar dos pesares de 2019, os Auditores-Fiscais terminam o ano contabilizando alguns triunfos. Entre eles, a derrubada da “emenda da mordaça” na Câmara dos Deputados, após intensa articulação parlamentar e campanha na imprensa e nas redes sociais; decisão do STF contra ordem do TCU que solicitava nome e matrícula de quem havia acessado dados fiscais das PPEs; a reincorporação ao trabalho dos Auditores Luciano Castro e Wilson Nelson; a intervenção do GAFI em apoio ao Brasil, determinante para o resultado no Supremo acerca do compartilhamento de dados; e, agora em dezembro, a introdução explícita da previsão do porte de arma de fogo de propriedade particular ou institucional, mesmo fora de serviço, conforme projeto enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional (PL 6438).
A surreal ameaça da vistoria nos aeroportos foi adiada, mas ainda não integralmente debelada, enquanto a solução definitiva do bônus de eficiência continua interditada pelo TCU. Para acrescentar insulto à injúria, e dificultar a mobilidade indispensável ao exercício das prerrogativas do cargo, a ideia do ponto eletrônico permanece nos assombrando.
2020 será também mais um ano de grandes combates na arena do Congresso Nacional. As PECs 186 (Emergencial), 187 (Revisão dos Fundos) e 188 (Pacto Federativo) contêm dispositivos com potencial de implodir a segurança jurídica de todo o serviço público, especialmente da Receita Federal. Por fim, na LOA 2020 a Receita Federal sofreu o mais drástico corte orçamentário da história, com redução de 2,8 para 1,8 bilhões de reais. Tudo somado, estamos diante de um redesenho drástico que pode pôr em xeque não só a sobrevivência da instituição como todo o aparato de repressão à sonegação e à corrupção no Brasil.
Mas uma coisa é certa: em que pese a multiplicidade de desafios, os Auditores-Fiscais não ficarão passivos diante das investidas e não cederão um palmo na sua missão institucional de defesa dos recursos públicos e da justiça fiscal. Nessa empreitada, o Sindifisco Nacional continuará vocalizando os interesses e os anseios da classe e da sociedade, firme na convicção de que um país melhor depende de instituições mais fortes e confiáveis – e que os Auditores-Fiscais possuem um papel crucial para que essa realidade se torne possível.
Que venha 2020!