Em ano de profunda crise financeira e arrocho nos gastos públicos, o Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE) deu exemplo de austeridade e conseguiu fechar ano passado com números positivos. Através de um trabalho de fiscalização focado em atuações preventivas, a entidade realizou ações para que prefeituras e o governo do Estado conseguissem economizar quase R$ 500 milhões, nos anos de 2014 e 2015. Primeiro auditor de carreira a chegar à presidência da Corte de Contas, o conselheiro Valdecir Pascoal deixou a entidade no último dia 31. Em entrevista ao JC, por e-mail, ele detalha as ações realizadas no biênio 2014-2015.
JORNAL DO COMMERCIO - Em ano de crise, vocês adotaram medidas para impedir "gastos errados" e gerar economia em outros órgãos?
VALDECIR PASCOAL — O controle moderno é aquele que procura, com equilíbrio e respeito ao "tempo da gestão", se antecipar às irregularidades. Temos priorizado a chamada fiscalização concomitante da gestão por meio da análise dos editais de licitação mais relavantes, de aditivos contratuais e dos concursos públicos. Esse controle é exercido especialmente através de recomendações, alertas e medidas cautelares, que podem chegar até a sustar o andamento de uma licitação, determinar redução de orçamentos em razão de sobrepreços, e repactuação de contratos já em andamento. 52% da nossa equipe de fiscalização realiza essa atuação preventiva e isso gerou uma economia de cerca de 500 milhões nos anos de 2014 e 2015. O TCE sabe que não pode travar o andamento da gestão, mas sabe também que essas verdadeiras "biópsias" realizadas durante a execução do orçamento tem gerado benefícios financeiros expressivos para os cofres públicos do nosso Estado.
JC - Quantos processos foram julgados ano passado? Ainda há muitos processos no estoque?
VALDECIR — A cada ano avançamos mais em relação à agilidade e à redução do estoque de processos. Em 2015, julgamos 7.889 processos, incluindo prestações de contas, auditorias especiais, denúncias, aposentadorias e cautelares. Excluindo as aposentadorias, tivemos um incremento no julgamento da ordem de 30% em relação a 2014. Hoje temos um estoque de processos principais da ordem de 2.251, revelando uma redução de 30% quando comparamos a 2014. Esses números, nos próximos anos, tendem a ficar ainda mais expressivos com a consolidação do processo eletrônico implantado a partir das contas de 2014.
JC - Em entrevista ao JC, antes de tomar posse, em janeiro de 2014, o senhor falou em fortalecer a política de comunicação do TCE. O senhor avalia que conseguiu alcançar esta meta?
VALDECIR — Avançamos muito. Com o apoio do Conselho e da área técnica, regulamentamos a política de comunicação, criamos a TV TCE, aprimoramos o uso das redes sociais, como o Facebook, o Twitter e o Youtube, reformulamos o nosso Portal da Internet com o obejtivo de torná-lo ainda mais acessível e útil aos seus principais usuários: cidadãos, gestores e imprensa.
JC - Qual marca o senhor avalia que deixou na gestão nos dois anos à frente da presidência?
VALDECIR — Em se tratando de uma instituição pública - e mais ainda em se tratando do TCE-PE, que possui uma política de planejamento estratégico já consolidada - é preciso dizer de antemão que todas as ações implementadas contaram com a participação do Conselho e dos servidores. Mas se é para destacar ações estruturadoras e sustentáveis eu ressalto a implantação exitosa do processo eletrônico de contas. Todas as contas de gestores estaduais e municipais de 2014 foram prestadas pela internet. Em dezembro, tivemos o primeiro processo julgado de forma totalmente eletrônica. Isso implicará mais agilidade, mais qualidade das auditorias, menos custo, mais transparência e proteção ao meio ambiente. O novo portal "Tome Conta" também merece destaque. Nele, o cidadão encontrará dados de gestão de todos os órgãos e Poderes estaduais e de todas as Prefeituras e Câmaras: receita, despesas, fornecedores, doações de campanha, contratos, dados dos servidores efetivos, comissionados, contratados e à disposição. O "Tome Conta" é transparência e cidadania na veia e ao mesmo tempo serve para conscientizar o cidadão para o dever - dele cidadão - de acompanhar e fiscalizar a gestão e também de colaborar com os órgãos de controle.
JC - 2015 foi um ano marcado pela austeridade nos gastos. O TCE seguiu esse alinhamento? Quais cortes foram feitos?
VALDECIR — O TCE é uma instituição que sempre planejou seu orçamento com os pés no chão. Nossa principal despesa é com a folha de pagamento dos servidores, mas em nenhum momento, desde o advento da LRF, chegamos sequer perto de atingir os limites fiscais. De qualquer maneira, a crise atingiu a todos nós. Racionalizamos despesas de custeio, adiamos reformas e novas obras e trabalhamos o orçamento de 2016 já dentro de patamares ainda mais rígidos. É certo que as principais medidas de ajuste e cortes devem ser tomadas pelo Executivo, mas na hora em que o país vive uma de suas maiores crises fiscais, todos os Poderes e Orgãos constitucionais autônomos devem dar a sua parcela de colaboração.
JC - Num ano marcado pelo aprofundamento da crise política, o senhor avalia que os órgãos de controle têm ganhado mais espaço. Como o senhor avalia este protagonismo?
VALDECIR — Vejo esse protagonismo dos órgãos de controle, a exemplo dos Tribunais de Contas, Polícia Federal, Ministério Público Federal e Judiciário, como um dos principais sinais de maturidade institucional do nosso país. Vivemos um contexto complexo e desafiador. É preciso uma leitura atenta desse momento para não se cair no "conto da desesperança". Não há democracia sem controle e, é preciso reconhecer, nunca esses órgãos combateram com tanta força e eficácia a corrupção e a ineficiência. Não se pode mais falar em "país da impunidade". Ocorre que mudanças estruturais e culturais não acontecem da noite para o dia. É processo. Outra coisa: o combate a essas mazelas será cada vez mais realidade a partir de uma atuação "em rede" dessas instituições e a sociedade civil. Os corruptos são organizados. A exitosa experiência da chamada "operação lava-jato", por exemplo, revela que a atuação integrada do controle é essencial. Com essa atuação cada vez mais forte do controle, aliada a uma maior participação do cidadão e uma reforma política que evite, de verdade, o abuso do poder econômico nas campanhas eleitorais, o nosso futuro será bem melhor.
JC - Qual o desafio para o próximo presidente?
VALDECIR — Trabalhar com um orçamento mais apertado neste momento de crise, fortalecer a nossa atuação pedagógica juntos aos gestores municipais que enfrentam uma seríssima crise de receitas e priorizar a atuação preventiva nos municípios neste ano de eleições são desafios muito importantes. O Presidente Carlos Porto, que assume neste dia 7, tem larga experiência de gestor, de Conselheiro e de Presidente do TCE por três vezes e, junto com o Conselho e os servidores, continuará envidando todos os seus esforços com vistas a nos consolidar, cada vez mais, como uma instituição a serviço da boa gestão e do cidadão.