Ao militar são proibidas a sindicalização e a greve, diz a Carta Magna de 1988. Em nome da soberania, a regra vale para o corpo do Exército, Marinha, Aeronáutica. Mas também para policiais militares; servidores estaduais que estão na linha de frente do desafio da segurança pública, nem sempre nas melhores condições de trabalho. Mesmo assim, movimentos de paralisação, como o que tem ocorrido no Estado, não são novidade e sempre trazem consigo o medo e o caos.
Em Pernambuco, os PMs já cruzaram os braços três vezes: em 1997, em 2000 e em 2014. Na última, uma onda de saques tomou conta de Abreu e Lima, na Região Metropolitana, enquanto boatos de assaltos e arrastões se espalharam pelo Recife. Há 20 anos foi mais grave. Os policiais pararam por 12 dias, o Exército cercou o Palácio do Campo das Princesas e um soldado foi morto durante um assalto a uma agência bancária.
Ex-governador que enfrentou a greve de 2000, o deputado federal Jarbas Vasconcelos (PMDB) diz ser radicalmente contra uma greve de policiais militares. “No final, não é uma greve, é um motim. E um motim armado”, justifica.
As entidades que representam os PMs divergem dessa posição. Em 2015, o governo de Pernambuco instalou oficialmente uma mesa de negociação com as associações de policiais militares para tratar do reajuste da categoria. A Associação de Cabos e Soldados (ACS), a Associação de Praças Policiais e Bombeiros Militares (Aspra) e a Associação dos Militares do Estado de Pernambuco (AME-PE), que não são sindicatos constituídos, mas que atuam como porta-vozes dos militares, tinham assento. Após a ameaça de paralisação no final do ano passado, porém, o governo decidiu negociar a pauta salarial com o comando da PM e dos bombeiros. Durante uma assembleia para deliberar sobre a paralisação, o presidente da ACS, Albérisson Carlos, foi detido por dar seguimento ao movimento grevista. A entidade classificou a prisão como “ilegal”.
Para o cientista político Jorge Zaverucha, professor da UFPE que pesquisa sobre democracia, Forças Armadas e segurança pública, o Brasil é o único país democrático onde se há conhecimento de uma polícia ostensiva vinculada ao Exército. O vínculo fortalecido no regime militar faz com que as polícias tenham as mesmas regras de hierarquia e Justiça das Forças Armadas e torna os PMs um contingente de reserva do exército.
Em 2012, a Dinamarca sugeriu ao Brasil, através do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que trabalhasse para abolir o sistema separado de Polícia Militar como um mecanismo para reduzir a incidência de execuções extrajudiciais. O anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que, em 2015, 3,3 mil pessoas no País foram vítimas de letalidade policial, isto é, mortas pela polícia. Do outro lado, 358 policiais foram mortos em confronto ou por lesão não natural no serviço ou fora dele no mesmo ano. Desses, 296 eram PMs, 23 deles em Pernambuco.
“Acho que deveria haver desmilitarização, sim. Como em qualquer democracia. Isso só existe no Brasil. Quem implantou isso fora do Brasil foram Augusto Pinochet (Chile) e Daniel Ortega (Nicarágua), que são dois autoritários”, defende Zaverucha. Ele lembra, porém, que há uma série de interesses em jogo inclusive das Forças Armadas, que têm um órgão para coordenar ações das corporações de todos os Estados: a Inspetoria Geral das Polícias Militares (IGPM).
Em números, o contingente de todas as PMs do País supera o das Forças Armadas. Haviam 436,3 mil PMs no Brasil em dezembro de 2014. Segundo o Ministério da Defesa, 332 mil homens compõem as Forças Armadas.
Especialista em direitos humanos e violência, a pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco Ronidalva de Andrade Melo defende a desmilitarização, a sindicalização e a possibilidade de greve. “O bom policial precisa ser civilizado, urbano e ter capacidade intelectual e física para atuar. Esse período em que a gente precisava ter uma ostentação de autoridade passou”, diz. “É melhor que eles tenham uma associação oficial do que criar bandos, milícias internas ou grupos de extermínio”, argumenta.
Uma pesquisa feita em 2014 pelo Fórum Nacional de Segurança Pública em parceria com a Fundação Getúlio Vargas mostra que 86,7% dos 21,1 mil policiais ouvidos querem a regulamentação do direito à sindicalização e de greve dos PMs. Além disso, 76,7% apoiam a desvinculação ao Exército.
No Congresso Nacional, pelo menos três Propostas de Emenda à Constituição pregam a desmilitarização: de autoria dos senadores Lindbergh Farias (PT-RJ), em 2013, e Blairo Maggi (PR-MT), em 2011, e do deputado federal Celso Russomanno (PP-SP), em 2009. Mas não há consenso sobre o modelo. A tese principal é que as PMs e Polícias Civis virariam um único órgão. Mas entraves como salários, planos de carreira e formas de promoção dificultam a fusão.
“Ao meu ver, o Exército hoje não tem interferência praticamente nenhuma nas polícias, a não ser na liberação das armas. E o serviço é completamente diferente do serviço das Forças Armadas federais. O Brasil precisa ter uma força armada nacionalizada, mas a polícia atua como um agente comunitário. A maioria das ocorrências são familiares, briga de marido e mulher, som alto. O policial age no dia-a-dia. O militarismo acaba tendo nada a ver com ele”, defende o deputado estadual Joel da Harpa (PTN). Ele se elegeu em 2014 como um dos líderes do movimento grevista daquele ano.
O presidente da Aspra, José Roberto Vieira de Lima, diz que o direito de greve da categoria é constitucional e só quem não poderia fazer paralisação seriam os homens das Forças Armadas. “Nós temos direito de greve. Somos trabalhadores, cidadãos, pagamos nossos impostos. Os direitos são iguais pelo que eu entendo da Constituição”, argumenta. “E nós vamos fazer movimento. Se necessário e a tropa decida por greve, faremos greve”, ameaça.
A assessoria da PM-PE informou que por problema de agenda o comandante-geral, Carlos Alberto D’Albuquerque, não poderia atender o JC. O Conselho Nacional de Comandantes-Gerais da Polícia Militar não retornou os contatos da reportagem.