Se cascavilharmos os álbuns de fotografias dos nossos pais ou avós, certamente encontraremos imagens de um Recife bem diferente do atual. Nos retratos daquelas paisagens, é possível ver casas na orla de Boa Viagem, piqueniques em praias naturais do Rio Capibaribe e um centro da cidade ocupado por recifenses flâneurs. Aqueles que, segundo a definição do escritor francês Charles Baudelaire, passeavam pela urbe apenas para experimentá-la. Quem vai hoje em dia, ao Centro, para realizar despretensiosas flanagens?
Nos álbuns contemporâneos, exibidos publicamente no Facebook e Instagram, as imagens já mostram uma relação bem diferente do recifense com a própria cidade. O espaço entre um e outro parece fragilizado por uma série de questões urbanas e políticas, como verticalização arquitetônica, mobilidade, privatização do público e limpeza. O incômodo latente com a “Veneza Brasileira” (a navegabilidade do Capibaribe, nos moldes da irmã italiana, também entra no rol das questões) tem levado os seus cidadãos, artistas ou não, a se manifestarem artisticamente através de uma série de intervenções urbanas, todas elas bastante políticas.
É o caso do Praias do Capibaribe, um projeto que acontece em cada primeiro domingo do mês com a missão de resgatar aqueles rios navegáveis e praias fluviais das fotografias dos nossos antepassados. A ideia é simples. No esquema “traga a vasilha”, cada pessoa leva a sua cadeira de praia, cooler e saída de banho para o lugar onde estiver acontecendo o evento, sempre em frente ao Rio Capibaribe. Todos se reúnem para viver a experiência – meio artística, meio política – de não poder, mas querer, estar em uma praia limpa de um rio no qual se pode nadar.
Para amenizar o desejo não atendido de driblar o calor com a água doce do Capibaribe, a organização do projeto conseguiu comprar uma bolha inflável através de crowdfunding (esquema de captação de verba via doações de quem deseja ver a ideia realizada). Criaram dois píers, um móvel e outro fixo, para soltarem o sonho do recifense no meio do rio, sem que ele fosse furado (e frustrado) por resíduos espinhosos do lixo que se acumula nas margens.
Se o Praias do Capibaribe parece um happening (evento teatral espontâneo e sem trama), a troça carnavalesca Empatando Tua Vista pode ser vista como um forte movimento político e artístico. Foi criada para desfilar no Carnaval deste ano com seus participantes “vestindo” torres de pano que simulam edifícios. Extrapolou a condição sazonal e se faz presente em qualquer mês do ano, em eventos políticos que envolvam a questão da verticalização do Recife. “Nós usamos o humor, a arte e a brincadeira para fazermos uma boa crítica ao sequestro da paisagem, à verticalização descontrolada e à perda da memória da cidade. Na verdade, a troça é uma demonstração de amor pela cidade”, conta uma das fundadoras do Empatando, a doutora em desenvolvimento urbano Edinéa Alcântara.
Em dezembro último, o grupo de teatro Magiluth realizou uma série de 24 intervenções urbanas, no Recife, como parte de um projeto de pesquisa que tinha a intenção de sair dos espaços cênicos tradicionais para as ruas. Uma delas, Novo Recife Antigo, realizada no dia 3 de dezembro, consistiu em colar adesivos em todas as placas de ruas do Bairro do Recife, transformando todas elas em “Rua Eduardo Campos”.
A intervenção virou motivo de polêmica na internet, na semana passada, porque uma denúncia anônima, feita à Polícia Militar, dizia que as ações não eram fruto de uma intervenção artística, mas pura e simples depredação do patrimônio público. O fato reabriu o caso e os integrantes do grupo tiveram que voltar à delegacia, terça-feira passada, para prestar esclarecimentos. Levaram vários documentos que comprovavam o caráter artístico da ação. Até o fechamento desta edição, a polícia não havia se posicionado sobre a conclusão do caso.
Veja vídeo de outra intervenção artística do Magiluth>