Aline, 10 mil quilômetros de carona pelo Brasil

Ao lado de Saga, viajou por quatro meses. Antes já tinha passado três na Europa, sem dinheiro
Carolina Albuquerque
Publicado em 22/03/2015 às 8:00
Ao lado de Saga, viajou por quatro meses. Antes já tinha passado três na Europa, sem dinheiro Foto: Arquivo Pessoal


Aline Campbell tem 26 anos e é do Rio de Janeiro. Ela trabalha com hospedagem temporária, através do AirBnb. Dessa forma, já recebeu dezenas de mochileiros e viajantes em casa. Se diz artista plástica por “amor e vocação”. Apesar da pouca idade, Aline não hesitou na hora de se lançar a um projeto pessoal que tocou seu coração: o Portas Abertas, que virou livro. Viajou sem nenhum dinheiro por três meses pela Europa, onde contou com muitos bons encontros, perrengues e solidariedade. Depois, decidiu partir ao lado so seu cachorro por quatro meses, em vários estados do Brasil. Para saber mais, acompanhar o @PortasAbertas, no Facebook.   

Como foi o momento em que você decidiu viajar somente com Saga, principalmente, no Brasil, onde existe mais riscos e violência? Ser mulher pesou? 

Saga entrou na minha vida destinado a viajar - daí vem o nome. Eu sempre quis ter um cachorro, mas por diversos motivos que achava no caminho, nunca realizei esse desejo. Até que o término de um namoro foi o impulso que faltava. Peguei Saga com dois meses e a partir daí seguimos viagem. Foram quatro meses pelo Brasil, onde percorremos cerca de 10 mil km, passando pelos estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Goiás e Ceará.

Imagino a quantidade de sentimentos que passaram logo nos primeiros dias e semanas. Medo, expectativa, excitação, apreensão. Como os avalia no início e após as viagens? 

Cada viagem, uma viagem. Eu lido com sentimentos diferenciados em cada uma delas, e com eles cresço. Expectativa gera frustração, e trabalho para não alimentar esse imaginário. De resto, sempre espero que o bem irá prevalecer, por mais que no meio do caminho haja alguns impasses e dificuldades. Presto atenção aos sinais e eles vão me guiando, ensinando.

Como foram os primeiros dias? 

Na viagem com o Saga a gente acampou bastante. O percurso foi feito quase que exclusivamente por caronas. Na viagem sozinha à Europa eu estava sem dinheiro e sem barraca. Dormia na casa das pessoas que conhecia ou ofereciam acomodação através do Couch Surfing. Não tenho problema nem frescura sobre aonde vou dormir e nem de ter que esperar horas até aparecer um motorista que tope me dar uma carona. Tenho uma relação com o tempo muito mais tranquila do que a que eu tinha antes de começar a viajar nesse estilo mais, digamos, alternativo.

Na estrada, encontrou muitas outras mulheres solitárias viajando?

Há muitas mulheres viajando sozinhas, geralmente com mais planejamento. Tem aquelas que se aventuram no universo das caronas, mas são poucas, então encontrá-las pelo caminho é bem difícil. Eu nunca encontrei, mas conheço várias e troco mensagens com algumas, online. Já quando me hospedo em albergues ou campings, onde o contato com outros viajantes é grande, sempre vejo mulheres sozinhas, apesar de serem a minoria. 

Falam sempre dos perigos para você? 

As mesmas histórias, boatos e 'achismos' sobre os perigos, eu escuto. Perigo existe, mas existe em qualquer lugar. Como eu lido com eles que pode ser o diferencial dentro de um todo: eu me permito seguir adiante. Confio muito nos meus instintos e acredito piamente no poder da atração. Colhemos o que plantamos. Ou, em outras palavras, como bem já dizia Raul Seixas: "Somos a resposta exata do que a gente perguntou". Eu tento sempre ser o mais coerente possível, e faço aquilo que acredito ser certo e bom. Como retorno, recebo o bem. Nunca enfrentei uma situação de perigo verdadeiro. Acredito que atraio coisas boas, porque faço coisas boas, e espero coisas boas. Ter medo é normal, natural, mas eu procuro sempre enfrentá-los. Todas as vezes que o fiz, me senti mais forte e vi que, no final das contas, não havia motivos para tê-lo, além daquelas histórias que ouvimos dizer e assombram nossos pensamentos.

Que aprendizados tirou ao longo da sua viagem, principalmente para amenizar essa vulnerabilidade?

Vulnerável estamos todos, seja aonde estivermos. O que tiver de acontecer, acontecerá eu qualquer lugar. É o que eu acredito. Aprendi, desde o momento que comecei a abrir minhas portas, em todos os sentidos da palavra, que podemos confiar nas pessoas, e que o mundo não é tão perigoso quanto nos dizem que ele é.

Em que você acha que o fato de ser mulher limitaria as suas vivências e experiências numa viagem como essa?

Os limites quem impõe somos nós próprios. A mim, ser mulher não me limita em nada. E eu procuro deixar os acontecimentos fluírem da maneira que a energia manda. Assim, viajo muito sem um roteiro pré definido e sempre sem reservas de locais para ficar, por mais que eu esteja numa viagem com dinheiro e ficando hospedada em locais pagos. Vivemos sim, numa sociedade extremamente machista, mas eu não vivo em função dessa realidade. Digo, não me privo de algo com base nisso, simplesmente experiencio e lido com as situações de mente aberta e pé no chão. Não é porque sou mulher que vou me submeter aos medos sociais e deixar de fazer algo que tenho vontade. Pego carona, me hospedo na casa de desconhecidos, e até mesmo já compartilhei a cama com um homem, sem que houvesse absolutamente nenhum interesse sexual envolvido.

Como a família e amigos encaram seu estilo de viajar?

Hoje em dia, com a repercussão do Portas Abertas, todos apoiam e entendem. Muitos se inspiram e passam a olhar o mundo com outros olhos. E é esse um de meus combustíveis a continuar seguindo na Estrada - sim, com "E" maiúsculo: Causar reflexão e inspirar novos caminhos.

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