Atualizada às 14h33
Depois de muita polêmica e na esteira do abandono a que está submetida a orla de Boa Viagem, na Zona Sul do Recife, o projeto de reforma dos quiosques do calçadão avança. O modelo arquitetônico das novas barracas foi entregue à Prefeitura do Recife nessa quinta-feira (1º) e divulgado nesta sexta-feira (2). O desenho, elaborado pela Associação dos Barraqueiros de Coco do Recife (ABCR) em consonância com o município, é definitivo e já foi aprovado pela gestão. A realização será por meio de Parceria Público-Privada (PPP); isto é, financiada por um patrocinador da iniciativa privada, sem nenhum custo para a administração pública.
Pelo projeto, assinado pelo arquiteto Bruno Ferraz, os estabelecimentos serão equipados com painel de energia solar e balcão acessível para cadeirantes. Eles ganharão uma área para depósito, além da estrutura elétrica e hidráulica necessárias. Para dar segurança - item solicitado pelos quiosqueiros -, atender os requisitos de acessibilidade e garantir facilidade de manutenção e de execução da obra, o material escolhido para a confecção foi o concreto de alto desempenho, explicou Ferraz.
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Já pelo lado conceitual, os equipamentos levarão pinturas inspiradas na xilogravura e na literatura de cordel, ilustrando a história do Recife - que será a primeira capital brasileira a completar 500 anos, em 2037. Por meio da arte e dos versos, cada um dos 60 quiosques contará um capítulo da memória. Inspirado nas heranças ibéricas, um painel de azulejos com o padrão do antigo calçadão também vai ornamentar as estruturas.
"A gente entende que os quiosques são embaixadores do turismo. Com isso tudo fechado, criamos uma narrativa interessante pra cidade. De fato existem vários atores interessados com esta reforma: a associação, a cidade, o próprio usuário", afirmou Ferraz.
Responsável por fazer o levantamento cronológico das datas, o historiador Leonardo Dantas antecipou alguns acontecimentos que poderão virar tema nos quiosques: "a existência histórica do Recife em 1537; a invasão dos holandeses em 1630; a Revolução Pernambucana de 1817, a emancipação do Recife em 1709; o surgimento da palavra 'frevo' em 1906; a criação do curso jurídico em 1827; o primeiro automóvel em 1901; e os 500 anos da cidade, em 1537", citou.
Secretário de Mobilidade e Controle Urbano, João Braga definiu como uma boa solução. "Está muito muito interessante, porque associaram as demandas que havia com segurança e conforto do cliente, mas a proposta também dá integração maior do quiosque à praia de Boa Viagem", disse.
Este é o segundo projeto visual divulgado desde firmação do termo de cooperação entre a ABCR e a Prefeitura do Recife para a efetuação da reforma, em agosto. As primeiras renderizações mostradas tiveram repercussão negativa.
De acordo com Sérgio de Pinho, engenheiro da ACBR e coordenador técnico do projeto, o novo desenho é completamente diferente da primeira versão. "A primeira proposta recebeu criticas da opinião pública e da comunidade técnica. Nós entendemos que as críticas eram bem-vindas e que eram a oportunidade de aprimorar o projeto", comentou. "Buscamos um arquiteto reconhecido que pudesse dar ao projeto o que a gente definiu como um toque de pernambucanidade; que conhecesse a história, a cultura, as correntes de pensamento daqui", falou.
"O projeto foi totalmente 'reconcebido'. Dentro das grandes virtudes, primeiro uma permeabilidade, ele é mais leve, permite uma apreciação melhor da paisagem. Ele é totalmente permeável para quem olha e observa o mar. Segundo ponto é que trouxe muito da cultura portuguesa e da antiga memória da praia, com as caravelas as ondas do mar, a cerâmica, o revestimento. E, o que acho mais incrível, é que quem quiser conhecer a história completa do Recife, basta caminhar ao longo dos 8 quilômetros de praia e vai tê-la contada ao ar livre", elencou.
Iniciativa da ACBR, a reforma dos quiosques é um pleito antigo dos permissionários, que sofrem com a falta de segurança e de infraestrutura da avenida. Depois de submeter vários projetos para a análise, a associação só conseguiu o sinal verde da prefeitura após chegar ao modelo de PPP. O acordo entre as partes estabelece que a entidade está encarregada de desenvolver o projeto e de captar investimentos por meio de parcerias privadas, enquanto a prefeitura deverá aprovar as propostas.
Por isso, para os empreendedores, ver o projeto caminhar para sair do papel é animador. O novo desenho os agrada sobretudo pela perspectiva de segurança, uma vez que arrombamento e roubos são acontecimentos frequentes na avenida. Só o quiosque número 31, da Izabel Maria da Silveira, foi vandalizado exatas 43 vezes ao longo dos 30 anos em que ela trabalha na praia.
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A pandemia do coronavírus veio para intensificar o problema. Durante os meses que se passaram com os equipamentos fechados, de março a julho, Izabel teve o negócio arrombado 11 vezes.
Os gastos com os reparos custaram caro para a família, principalmente porque, com o funcionamento suspenso, não podiam trabalhar. O auxílio emergencial, a que se inscreveu, só foi liberado quatro meses depois. "Eu mais que ninguém para dizer que esse projeto tem segurança, vale a pena mesmo", opinou.
Francisco da Silva, proprietário da barraca número 3, conhecido como Chico, também ficou satisfeito com o resultado final. "Isso foi feito junto com os quiosqueiros, todo mundo participou, deu opinião, disse quais eram os grandes problemas. O antigo (modelo atual dos quiosques) não teve consulta. Simplesmente chegaram com ele, colocaram uma porta de vidro, com fechamento de madeira de lambri em cima. Qualquer um chega e entra", comentou, falando dos arrombamentos.
Há 3 anos na orla, Chico não sofreu com as violações, mas investiu milhares de reais por fora em infraestrutura de segurança. "Eu gastei R$ 5 mil só de fechamento, e ainda coloquei vigilância eletrônica. Embaixo da lona, coloquei fechamento em madeira especial. Ao entorno, fiz encaixe de compensado naval com bordas revestidas de alumínio e um cinturão de ferro abraçando o quiosque inteiro com um cadeado", detalhou.
Apesar de o desenho já estar sendo apresentado, ainda não há um parceiro financiador definido. Segundo explicou Sérgio de Pinheiro, ainda falta o projeto executivo - parte que começará a ser desenvolvida na próxima semana. "O que temos até agora é um projeto de arquitetura. A expectativa é de que, até 30 de outubro, se tenha todos os projetos e questões construtivas definidas, e que, a partir de novembro, a gente tenha condições de abrir uma chamada em busca de parceiros para financiar da obra", falou.
Tanto a ACBR quanto a secretaria esperam começar a obra até o fim do ano. A secretaria de Mobilidade e Controle Urbano também vai acompanhar o projeto executivo. "A gente vai dar o parecer formal", explicou João Braga. "Eles já estão para que este ano ainda seja executado", concluiu.
Em diálogo com a Associação de Barraqueiros, a IAB defendeu a aplicação de concurso para selecionar os arquitetos responsáveis pelo projeto da orla de Boa Viagem. "Mas havia um entendimento geral (por parte da ACBR) de que o concurso não era mais possível para este momento. O assunto já foi a debate público e a degradação causada pela covid-19 torna a obra muito urgente", contextualizou Sérgio de Pinheiro.
A solução encontrada foi firmar uma parceria para viabilizar um concurso para reformar os seis quiosques da orla de Brasília Teimosa. "Estamos trabalhando com o IAB há dois meses para preparar um edital", contou.
O projeto também deverá seguir o modelo de financiamento através de PPP.