Aqui para nós e o povo da rua. Soldado nenhum dá um tiro de bala de borracha, dispara uma bomba de gás lacrimogênio ou aciona um jato de spray de pimenta sem um oficial dar a ordem.
Também nenhum batalhão desloca uma tropa de choque com equipamento de confronto sem que ao menos um major determine ao tenente que está no local da operação. E nenhum major dá uma ordem de formação de linha com autorização de tiro sem que o coronel a quem responde no batalhão dê autorização. Até porque isso tem consequência, que vai bater na hora dele se aposentar.
Portanto, a operação de sábado (29) pela manhã no Centro do Recife teve autorização de, pelo menos, um coronel. Não existe hipótese de um tenente no meio da rua ter, por sua conta, decidido abrir fogo contra os manifestantes na área central da capital.
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É verdade que o secretário da SDS, Antonio de Pádua - a quem a PMPE responde, assim como o Chefe da Polícia Civil, na hora do começo do confronto, pouco antes das 12h, estava com o executivo, Humberto Freire, e comandantes da Polícia Militar no Centro Integrado de Comando e Controle Regional (CICCR). Todos acompanhavam, em tempo real, as câmeras da SDS. Às 12h31, quando várias cenas de violência policial eram publicadas na internet e criticadas, Pádua, ainda no CICCR, concedia entrevista à TV Globo, mostrando imagens de câmeras da Zona Sul do Recife, como lembrou a coluna Ronda JC.
No mínimo, ele sabia que a tropa da PMPE estava perfilada próximo de onde falava. Se não chamou o feito à ordem, a cadeia de responsabilidade começa por ele e vai bater nos soldados que atiraram direto nas duas vítimas, quando o que se recomenda não é atirar na cabeça de ninguém, justamente pelo risco do ferimento mais sério. Bala de borracha é arma não letal.
Talvez aqui seja preciso colocar o “benefício da dúvida” e acreditar na palavra oficial do governo. Hoje, já se sabe que quem não estava acompanhando de perto a passeata era o governador Paulo Câmara e sua vice Luciana Santos, o que não diminui a responsabilidade de ambos.
Onde já se viu, numa passeata numa capital, a PM formar uma linha de tiro de bomba, gás e bala de borracha sem que os dois (governador e vice) estivessem informados? Estavam fazendo o que na manhã de sábado?
Mas, como se viu pelos vídeos dos acontecimentos, os dois estavam, literalmente, “voando” sobre o que estava acontecendo. Os vídeos não os absolvem. Os incrimina diretamente porque passaram a ideia para os cidadãos que os dois principais executivos do Governo de Pernambuco não deram atenção a uma passeata que, como já se disse, não deveria estar acontecendo conforme recomendação do Ministério Público.
E aí começa a série de equívocos nas declarações das chamadas autoridades. A PMPE “engatou uma ré” extraordinária dizendo em nota que quem deveria falar era o governador.
Ora, esse tipo de comportamento quer dizer o seguinte: Que uma autoridade maior estava no comando do caso. A corporação apenas cumpriu ordens.
Quem conhece dois procedimentos de PM sabe que, quando o erro na cadeia de comando está na corporação, do soldado ao coronel pagam a conta. Então, se a PMPE não fala, a operação estava no conhecimento do “andar de cima”. O resto é explicação burocrática.
Com a divulgação das imagens, temos uma série de procedimentos que mostram claramente em uma cadeia de atos que a linha da ação da PMPE era de repressão.
Linha de atiradores? Formação em marcha com escudos? Segunda linha na ponte e apoio de dezenas de carros no suporte? Isso mostra, em centenas de vídeos, que houve uma sucessiva cadeia de ordens. Nada aconteceu sem procedimento.
O governador pode dizer que vai ajudar as vítimas, o secretário Pedro Eurico jurar que não era intenção da Polícia de reprimir a passeata, e o secretário Antonio de Pádua se justificar, mas a verdade é que, hoje, o Estado terá que arcar (com o dinheiro do contribuinte) de, ao menos, duas indenizações de lesões graves provocadas pelo Polícia Militar numa das mais agressivas ações já vistas em Pernambuco.
E aqui tem um fato que é preciso não esquecer. A PMPE age com protocolos e procedimentos, não tem improviso. Isso é reconhecido pelas polícias de outros estados que mandam oficiais a Pernambuco fazer cursos.
Todo o mundo militar do Nordeste sabe disso. Aqui, tem manual escrito, rotina de procedimento detalhada e treinamento sobre esse tipo de ação. Não tem isso de um tenente ou sargento decidir no teatro de operações. O que só agrava a situação sobre o status de quem deu a ordem de atirar.