Anote aí, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está propondo um adicional igual a um quilo de filé de frango por cada 100 quilowatts. Ou igual a uma bandeja com 30 ovos no supermercado de atacado do bairro.
É isso mesmo. Nesta terça-feira (29), tem uma reunião da Aneel para definir o novo patamar da bandeira vermelha nível dois. Ela deve subir para algo entre R$ 11,50 e R$ 12 a cada 100 quilowatt-hora consumidos. A reunião é para confirmar.
Para que você tenha uma ideia: uma família de classe média que gaste 600 quilowatt-hora no mês já pagou este mês R$ 55 apenas de bandeira vermelha.
Se a bandeira subir para R$ 12 por cada 100 quilowatt-hora, o acréscimo será de R$ 72. Se forem acatados, os valores representam um aumento de 84,3% a 92,3% na taxa.
Se for uma microempresa, tipo um salão de beleza ou uma loja que gaste, por exemplo, 1.200 quilowatt-hora, a conta vai subir mais R$ 144 para o mesmo consumo.
O problema é que essa situação vai durar até pelo menos novembro. Essa conversa não bate com o discurso e com o cenário de crescimento. Ora, crescimento quer dizer mais consumo de energia elétrica.
Nesta segunda-feira (28), o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, pediu a colaboração da população para economizar energia e água devido à crise hídrica.
O problema é que o discurso é feito no meio de uma crise como a do coronavírus e, mais ainda, com a ameaça de uma investigação por prevaricação pelo presidente da República. O apelo do ministro quase passou despercebido.
O consumidor já está tendo o susto de ver sua conta explodir mesmo que ele economize.
Dito de outra forma. Mesmo que ele reduza o consumo, a conta vai ficar maior. No máximo, se ele conseguir uma redução radical no consumo, o que ele pode conseguir é pagar o mesmo que pagava no começo do ano, quando não teve bandeira.
Cobrar R$ 12 por cada quilowatt-hora é um acréscimo brutal. Uma empresa que precise usar, por exemplo, 2.000 quilowatt-hora terá sobre o valor da conta R$ 240,00. Para as microempresas isso terá um efeito cascata na inflação.
É que as pessoas esquecem que pagam energia em tudo que compram. A indústria usa energia para produzir cada item de linha de produtos. O comércio usa energia para todo o ambiente de trabalho. Vai da placa iluminada na porta ao depósito. Nos serviços, tudo tem energia. E tudo isso vai ser impactado pela bandeira vermelha.
O ministro lembrou que é natural que os brasileiros tenham preocupação com a possibilidade de um racionamento, como aconteceu em 2001.
Naquele ano, as pessoas tiveram que se adaptar aos decretos do governo. Cada família tinha autorização para gastar uma cota de energia. Se gastasse mais, pagava uma multa.
Agora, sem esse racionamento, o consumidor já vai pagar mais mesmo que não aumente o seu consumo. E isso vai fazer com que muita gente não consiga pagar a conta no vencimento. Isso vai aumentar a inadimplência do setor.
O que pouca gente sabe é que esse aumento vai bater no caixa do Estado. Por lei a distribuidora tem que recolher o ICMS para o estado no dia 20 do mês seguinte, mesmo que o cliente não pague no vencimento.
Mas a distribuidora põe esse custo na sua planilha de custos quando pede o reajuste anual. Ou seja, ela recolhe o imposto no vencimento, mas no ano seguinte ela pede uma indenização por ter antecipado esse dinheiro.
De certa forma, quando uma parte dos consumidores não pagam no vencimento, no ano seguinte todos pagam por isso.
O ministro citou medidas do governo para enfrentar a situação, incluindo um programa de redução de consumo voluntário para incentivar grandes empresas e indústrias a deslocarem o uso de energia para horários menos disputados.
Esse é um outro problema. O governo quer, além da bandeira vermelha, forçar a redução do consumo. Ou seja, é possível que além de pagar mais pelo que já usa, pague-se uma multa se usar além do que a média dos meses anteriores.
O governo publicou um MP que prevê que o ministro pode praticar atos "ad referendum", o que significa que Bento Albuquerque poderá definir medidas de forma individual, antes das deliberações com o restante das autoridades. Isso quer dizer que suas decisões deverão ser analisadas posteriormente nas reuniões.
Caberá ao comitê "adotar medidas emergenciais para enfrentar os riscos de escassez hídrica, a fim de garantir a continuidade e segurança do suprimento eletroenergético".
Só que o comitê é presidido pelo ministro de Minas e Energia, o grupo será formado ainda pelos ministros do Desenvolvimento Regional, Agricultura, Meio Ambiente, Infraestrutura e da Economia.
Tudo isso é muito bom, mas a verdade é que a conta de energia vai subir muito.
O resto é conversa e muita reclamação, porque o governo primeiro aumentou a conta e depois pede ajuda da população e das empresas.