Enquanto a Rússia tenta cortar o fluxo de informações na Ucrânia, atacando sua infraestrutura de comunicação, a rede de notícias britânica BBC anunciou que está reutilizando uma tática de transmissão muito popular na Segunda Guerra Mundial: o rádio de ondas curtas.
A rede de comunicação britânica revelou que usaria frequências de rádio que podem percorrer longas distâncias e ser acessadas por rádios portáteis para transmitir suas notícias do Serviço Mundial em inglês durante quatro horas por dia em Kiev, a capital ucraniana, e em partes da Rússia.
Para quem nunca ouviu falar de ondas curtas, essa é a designação utilizada no setor de radiocomunicações para referir as estações e as tecnologias de radiotransmissão que utilizam frequências entre os 3 000 kHz e 30 000 kHz, acima da qual predomina a propagação ionosférica.
A reflexão na ionosfera permite cobrir extensas regiões e atingir pontos da superfície terrestre situados a milhares de quilômetros de distância a partir de uma única antena emissora.
Isso é possível porque a BBC tem super transmissores, desenvolvidos durante a II Guerra Mundial pela empresa inglesa Marconi para transmitir sua programação para os países ocupados pela Alemanha nazista, e que funcionaram como instrumento de apoio ao moral das tropas e da população ocupada.
PERNAMBUCO FALANDO PARA O MUNDO
Essa mesma tecnologia depois do conflito foi usada pelo empresário F. Pessoa de Queiroz para a Rádio Jornal do Commercio, que ele estava inaugurando em 1950.
Foi com esse potencial de transmissão em ondas curtas que ele criou o famoso slogan “Pernambuco falando para o mundo”, que até hoje é usado pela emissora.
Na verdade, o segredo desse potencial é bem simples.
Além dos transmissores potentes (que viraram segredo de Estado da BBC em relação à sua localização na Inglaterra), está o fato de que a antena da transmissão está montada sobre um peão que permite direcionar a transmissão das ondas curtas.
Assim, a mudança da posição da antena que na II Guerra Mundial permitiu à BBC acompanhar o avanço das tropas nazistas e transmitir sua programação, foi a que F. Pessoa de Queiroz usou para transmitir a programação da Rádio Jornal para a Europa, Argentina, Estados Unidos, África e até mesmo China e Rússia.
Além de chegar ao Sul e Sudeste, onde vendia publicidade para sua rádio.
A percepção de F. Pessoa de Queiroz transformou a Rádio Jornal na emissora mais ouvida no Brasil porque os ouvintes podiam aproveitar a transmissão em ondas curtas.
F. Pessoa de Queiroz argumentava que nenhuma das grande emissoras do eixo Rio-São Paulo poderiam ser ouvidas fora do Estado. Na verdade, porque como as demais emissoras, transmitiam em ondas médias de menor alcance.
Mas F. Pessoa de Queiroz fez mais. Ele foi um dos precursores do marketing comercial, porque além de usar a força da transmissão, ele passou a publicar no Jornal do Commercio, de sua propriedade, telegramas de ouvintes de todo o mundo confirmando ouvir a rádio e mandando notícias dos diversos países.
Nas edições de domingo, o JC publicava duas páginas com esses depoimentos, o que aumentava sua força de vendas junto a anunciantes nacionais na Rádio Jornal.
O slogan se mantém até hoje e foi renovado pela tecnologia da internet, que devolveu à Rádio Jornal propriedade de continuar a falar para o mundo.
USO DAS ONDAS CURTAS NA UCRÂNIA
O uso de ondas curtas para transmissão em tempos de guerra, por ironia, volta a ser usado pela mesma BBC, desta vez na Ucrânia ocupada pela Rússia.
Na verdade, a BBC tinha aposentado o seu serviço de ondas curtas há 14 anos, e retoma a transmissão após interromper os serviços na Rússia. O escritório da empresa foi fechado por conta da nova lei. Sites da companhia foram retirados do ar por ordem do Kremlin.
Segundo os britânicos, em relato no jornal The New York Times, a audiência no site russo da companhia atingiu recorde de 10,7 milhões de acessos na semana passada. O número é um recorde. Os visitantes do site em inglês subiram 252%, para 422 mil usuários.
A cobertura da BBC já foi criticada por autoridades russas. A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Maria Zakharova, disse em coletiva que o serviço britânico pratica terrorismo de informação para “minar a estabilidade e a segurança russa”.
Em 2008, a BBC Brasil festejou 70 anos da estreia em ondas curtas. Sua primeira transmissão, sobre o avanço de Hitler, ocorreu em 14 de março de 1938. Após décadas de presença no rádio brasileiro, o serviço em português da rede britânica busca ampliar produção para internet e parceria com a TV.
Segundo reportagem do repórter Laura Matos, da Folha de S.Paulo, a primeira transmissão dizia "O Senhor Hitler entrou hoje à noite em Viena, no meio de um entusiasmo formidável. De pé, em seu carro aberto, respondeu repetidamente com saudações nazistas às aclamações da multidão..."
Foi essa a notícia que inaugurou, em 14 de março de 1938, as transmissões da BBC para o Brasil, por meio das ondas curtas do rádio.
Setenta anos depois, as comunicações são coisa do passado. Desde 2004, não há mais transmissão da BBC Brasil pelas ondas curtas. No rádio, só permaneceram os boletins produzidos para CBN, Globo e Radiobrás.
O foco do serviço em português da rede britânica passou a ser produção de conteúdo jornalístico para novas mídias, concentrada no portal www.bbcbrasil.com, que em janeiro teve 4,2 milhões de visitantes, seu recorde de acessos.
Além da BBC Brasil, a rede inglesa operava em 31 línguas estrangeiras, a maioria por meio da internet. O serviço em árabe, que concentra o maior investimento, lançará em abril um canal de TV para concorrer com a CNN em árabe e a Al Jazeera.
Inaugurado em 2006, o escritório da BBC Brasil em São Paulo conta com oito jornalistas. Em Londres, são 14, além de correspondentes em Brasília, Washington e no Cairo.
A BBC informou neste domingo (6) que seu canal internacional de notícias parou de ser transmitido na Rússia, após a aprovação de uma lei que prevê penas de prisão para quem divulgar "informações falsas" sobre o exército.
"A transmissão da BBC World News, o canal que você está assistindo se estiver fora do Reino Unido neste momento, e que é o canal de informação mundial da BBC, acaba de ser interrompida na Rússia", anunciou a apresentadora Victoria Derbyshire.
A BBC anunciou na última sexta-feira (22) a suspensão "temporária" do trabalho de seus jornalistas na Rússia para garantir sua "segurança".