Foi assim: no dia 30 de junho de 2017, uma sexta-feira, a Petrobras anunciou, numa nota curta, que estava mudando sua política de preços. A decisão veio assinada pelos diretores de Finanças e Relacionamento com os Investidores, Ivan Monteiro, e de Refino e Gás Natural, Jorge Celestino.
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Dizia apenas que "Com as alterações, a partir de segunda-feira (3), a área técnica de marketing e comercialização da companhia terá delegação para realizar ajustes nos preços, a qualquer momento, inclusive diariamente, desde que os reajustes acumulados por produto estejam, na média Brasil, dentro de uma faixa determinada (-7% a +7%), respeitando a margem estabelecida pelo GEMP (Grupo Executivo de Mercado e Preços)".
Quase cinco anos depois, o procedimento assinado por dois diretores - e não pelo presidente da companhia na época -, o ex-ministro Pedro Parente, está num centro de um debate sobre uma possível mudança, de modo a reduzir o impacto nos preços finais dos combustíveis no Brasil, onde nem o presidente Jair Bolsonaro e o seu principal opositor, o ex-presidente Lula da Silva, assumem o compromisso de mudá-la.
Bolsonaro diz que não manda na Petrobras. Lula afirmou, por ocasião dos aumentos de 24,9% na semana passada, que: “Se a gente ganhar as eleições, a gente vai rediscutir o papel da Petrobras”.
Lula lembrou que “A Petrobras era exportadora de gasolina. Eles destruíram a Petrobras por conta da Lava-Jato e a Petrobras tem hoje 400 empresas importando gasolina dos Estados Unidos e nós pagando o preço em dólar”.
“Rediscutir o papel da Petrobras” é um tema abordado também pelos presidenciáveis Ciro Gomes, Sérgio Moro e Simone Tebet, sem muitos detalhes. Todos querem, mas quem diz como?
O imbróglio continua. Por que o presidente da República, que indica os presidentes da empresa e do Conselho de Administração, não determina que uma simples decisão de diretoria, que se baseia num órgão de terceiro escalão (Grupo Executivo de Mercado e Preços), não muda essa política de preços?
A questão não é tão simples assim, e mesmo que o diretor de finanças possa fazê-lo, não há qualquer indicação que vai tomar essa decisão.
Curiosamente, o tal Grupo Executivo de Mercado e Preços foi criado no governo Michel Temer e estreou com a diminuição de preços. Nos postos de gasolina, o diesel caiu em média 1,8%, e a gasolina, 1,4%. Em ambos os casos, uma queda de R$ 0,05 por litro.
Na ocasião, o presidente da empresa, Pedro Parente, disse que aquela foi a primeira vez que a redução de preços dos derivados ocorre desde junho de 2009, quando o diesel caiu 15% e a gasolina, 4,5%, alfinetando os governos do PT, já que em 2009, o presidente era Lula.
A política de preços funcionou bem até 2018, quando na greve dos caminhoneiros, os preços subiram 25%, e quando Pedro Parente pediu demissão depois de ter liderado a Petrobras por exatamente dois anos, já que tomara posse no dia 1º de junho de 2016.
Mesmo assim, a empresa manteve a política de preços, que por sua vez, foi mantida quando Bolsonaro assumiu e substituiu Ivan Valente, que subira para o lugar de Parente, por Roberto Castelo Branco.
O problema de alterar a política de preços ainda hoje definida pelo Grupo Executivo de Mercado e Preços são as suas consequências.
Tecnicamente, ele sustenta a necessidade de reajustes. Em cima de padrões e contas que rodam em modelos matemáticos é muito difícil, por exemplo, o de Finanças contestar as contas e submeter ao Conselho de Administração um reajuste menor, sob pena de um representante dos minoritários contestar e isso servir de argumento numa ação, por exemplo, nos Estados Unidos, de atuar lesivamente contra os interesses dos acionistas.
E ainda mais porque numa ação como essa, o diretor e os conselheiros seriam acionados pessoalmente, ou seja, colocariam os seus CPFs nos documentos.
Isso é o que explica a indecisão de Bolsonaro em “obrigar” a Petrobras a mudar sua política de preços. Nenhum diretor da Petrobras, mesmo os alinhados com o Governo, está disposto a arriscar seu CPF numa ação judicial.
Nesse caso, não é o presidente da República quem é acionado, é o presidente e os diretores da empresa quem respondem. Todos são estatutários, e isso implica responsabilidade.
É por isso que, até agora, Bolsonaro afirma que não manda na Petrobras. Manda, mas não está disposto a correr o risco de mudar toda a diretoria e colocar pessoas que estejam dispostas a mudar a política de preços da empresa.
E mesmo quando Lula afirma que se “ganhar as eleições, a gente vai rediscutir o papel da Petrobras”, teremos que aguardar mais detalhes de como isso vai acontecer num eventual terceiro governo dele.
Por uma dessas estranhas ironias, a mesma política de preços que em 2017 baixou os preços pela primeira vez em 10 anos é a mesma que, anos depois, produz aumentos de quase 25% em função da elevação dos preços do petróleo, que custavam US$ 40 nos tempos de Michel Temer, se mantiveram até o final de 2020 e, agora, prendem Bolsonaro numa armadilha que sufoca o consumidor.