Uma obra incompleta, com baixa segurança viária, problemas antigos e cara de velha. Assim está a requalificação do contorno urbano da BR-101 na Região Metropolitana do Recife, 30 quilômetros entre as cidades de Abreu e Lima e Jaboatão dos Guararapes, alvo de demorada investigação da Polícia Federal exatamente por suspeita de desvio de recursos. É fato que os trabalhos não estão concluídos e que a pandemia os atrasou, mas além dos problemas no pavimento - que já dão sinais de que acontecerão em breve -, olhar a obra com olhos técnicos revela que o projeto não colocou a rodovia - a mais urbana de todo o Estado - olhando para o futuro. Ela não se projeta para o que virá e, por isso, em pouco tempo voltará a ter os problemas de antes.
Para fazer essa constatação, os olhos do JC foram o engenheiro civil Stênio Cuentro, presidente da Associação Brasileira de Engenheiros Civis (Abenc) em Pernambuco. A Abenc foi uma das entidades que, em 2017, alertou a sociedade e os tribunais de controle (TCE e TCU) sobre a fragilidade e as falhas do projeto que, na época, estava sendo contratado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e o Departamento de Estradas de Rodagem (DER-PE). Esse alerta, inclusive, foi o ponto inicial de toda a investigação da PF.
“Falta de tudo no contorno. Mesmo agora, com os trabalhos quase finalizados. O que temos, de fato, é uma melhoria do pavimento. E, mesmo assim, com uma tecnologia que alertamos não ser adequada para esse tipo de rodovia. Para o volume e o peso do tráfego. É preciso olhar para o futuro. A BR-101 já é e será cada vez mais e mais urbana. Esse projeto não contempla essa percepção. A população está pagando R$ 192 milhões por uma obra que não acrescenta, por uma rodovia que segue perigosa”, alerta Cuentro.
Entre os problemas, a não melhoria da funcionalidade do contorno urbano é um gritante. Já o era antes da requalificação e segue sendo. “Faltam itens de segurança básicos, como as defensas, a sinalização vertical e aérea. E, mesmo assim, o tráfego está liberado. Não há obras adjacentes que dêem mais segurança ao tráfego e a integração dele com a urbanidade em volta. Problemas antigos permanecem com um perigo ainda maior porque, com a melhoria do pavimento, mais pessoas são atraídas para utilizar a rodovia”, acrescenta Stênio Cuentro.
A instalação de redutores de velocidade foi o máximo adotado pelo Dnit para tentar minimizar o perigo. Quem precisa fazer a travessia na área entende bem o alerta desta reportagem. “A dificuldade para quem precisa passar nesse trecho segue tão ruim quanto antes. Passo aqui duas vezes ao dia, todos os dias, e é uma agonia para atravessar. Muito perigoso. Esqueceram do pedestre, do ciclista, do passageiro do ônibus. E à noite é ainda pior. Tudo escuro”, desabafa o vigilante Reginaldo Jorge de Pessoa, que passa no trecho de bicicleta.
Há, inclusive, equívocos oficializados, como um contra-fluxo autorizado na pista local no mesmo trecho, sem qualquer adequação viária para permitir a entrada dos veículos na BR, que confunde motoristas e, principalmente, pedestres e passageiros de ônibus. Faltam faixas de desaceleração e aceleração, ferramenta necessária para dar segurança na entrada e saída dos acessos à rodovia. A ausência de defensas (divisórias de pistas instaladas para proteger o tráfego), de sinalização vertical e aérea (placas e portais) e de iluminação potencializam essa sensação de insegurança e obra com cara de velha. Além do risco de colisões frontais no caso de um veículo ultrapassar a pista contrária, a ausência de defensas também permite os retornos indevidos e perigosos. Há trechos em que passagens foram improvisadas.
Stênio Cuentro relembra - e constava do alerta de 2017 - que esse modelo de contratação permitiu que a obra de requalificação custasse R$ 50 milhões, em média, a menos. Quantia equivalente à contrapartida do Estado. O valor inicial da requalificação do contorno era estimado em R$ 242 milhões.
POSICIONAMENTOS
DNIT
Já o Dnit informou que as obras complementares serão feitas, mas não deu prazos. Disse, também, que a obra de requalificação do contorno da BR-101 na RMR deverá ser concluída no fim do primeiro semestre de 2021 e que faltam R$ 20 milhões para serem investidos. E que só após o término desses serviços é que serão realizadas as melhorias na sinalização e instalados dispositivos de segurança viária, no caso, as defensas metálicas. Também defendeu que a rodovia, do jeito que está, oferece segurança de trafegabilidade. “No momento, o segmento rodoviário conta com sinalização provisória, que inclui pintura das faixas de rolamento e algumas placas, oferecendo condições de trafegabilidade aos usuários da rodovia”.
A pista principal da rodovia foi concluída em dezembro de 2019. Algumas obras complementares estão sendo concluídas ao longo deste ano de 2020 nas pistas laterais. No momento, estão em execução serviços na pista marginal entre o Hospital das Clínicas e a rotatória da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Outras intervenções foram realizadas nas imediações da Sudene, sentido Jaboatão/Paulista e sentido Paulista/Jaboatão, entre a Avenida Caxangá e o Hospital das Clínicas. Todas as ações estão inclusas no plano de trabalho vigente, pactuado entre o Governo de Pernambuco e o Governo Federal.
Com a conclusão das obras complementares, haverá ainda mais melhoria no fluxo para mais de 60 mil usuários, que já contam com a redução do tempo de viagem. Além disso, as obras na rodovia vão facilitar o escoamento da produção industrial e a do polo automotivo do Estado.