TJPE suspende lei da dupla função de motoristas de ônibus no Recife

Empresários questionaram a constitucionalidade da lei municipal que proíbe motoristas de acumularem a função de cobrador no transporte público
Roberta Soares
Publicado em 14/12/2020 às 18:00
O pedido foi feito formalmente ao presidente do CSTM, o secretário de Desenvolvimento Urbano de Pernambuco, Marcelo Bruto, e gestor do transporte por ônibus da RMR. Mas é pouco provável que seja aceito Foto: FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM


Os empresários de ônibus conseguiram, mais uma vez, adiar a implementação da lei municipal que proíbe a dupla função dos motoristas de ônibus no Recife. Nesta segunda-feira (14/12), o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) suspendeu os efeitos da Lei 18.761/2020, que impede que motoristas acumulem a função de cobrador, recebendo dinheiro e passando o troco. A decisão foi dada de forma unânime pela Corte Especial do TJPE em resposta a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) movida pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros (Urbana-PE).
 

Embora seja uma tutela antecipada (que é uma decisão liminar, ou seja, provisória), a leitura feita pelo setor empresarial é de que é mais uma demonstração de que a legislação é inconstitucional e que não deverá se sustentar para ser colocada em prática. E acontece dias depois de a Procuradoria Geral do Estado (PGE) também enxergar a inconstitucionalidade do texto aprovado pela Câmara dos Vereadores e sancionado pelo prefeito do Recife Geraldo Julio.

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Sendo implementada, a nova lei que proíbe a dupla função de motoristas iria atingir diretamente 40% das linhas em operação no Sistema de Transporte Público de Passageiros da RMR (STPP). Esse percentual representa as linhas que circulam apenas no Recife: 161 das 399 existentes antes da pandemia

A Corte Especial do TJPE é um colegiado formado por 20 desembargadores. O relator da Adin foi o desembargador Francisco Bandeira de Mello, que citou para embasar a decisão, jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF): “A jurisprudência prevalecente no STF aponta no sentido de que compete ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que interfiram na gestão de contratos de concessão de serviços públicos”. E completa a decisão: “Ora, mesmo que se considere, apenas para fins de argumentação, que o serviço de transporte público do Município do Recife seja exclusivamente local (e não metropolitano), é certo que o regime jurídico atual não contempla a obrigatoriedade da presença de cobradores. Parece evidente, pois, que a exigência constante da lei impugnada modifica o regime de prestação de serviços e impacta nos custos respectivos, interferindo, por conseguinte, na gestão dos contratos correlatos.”

ARGUMENTOS
Os argumentos que fundamentaram a Adin são basicamento os mesmos do questionamento feito pela Urbana-PE ao CTM no fim de novembro. Alegam a inaplicabilidade da Lei Municipal 18.761/2020 porque ela extrapolaria a competência municipal. Ou seja, diz respeito ao transporte no município do Recife e, não, da RMR. E que também extrapolaria a competência do Conselho Superior de Transporte Metropolitano (CSTM) ao interferir na política tarifária, no equilíbrio econômico-financeiro e nos padrões do serviço do transporte metropolitano. 

Artes JC - A realidade dos cobradores e da dupla função na RMR


Confira a decisão do TJPE na íntegra:

Roberta Soares

E, no caso da Adin, ainda argumentam que houve vício de iniciativa porque, segundo a Urbana-PE, a nova legislação não poderia ter sido uma iniciativa da Câmara de Vereadores. Deveria ser do Executivo por afetar contratos de serviços públicos. A adin foi impetrado no início de dezembro e, em seguida, os empresários anexaram o parecer da PGE, o que teria pesado na decisão da Corte. A decisão liminar vale até o julgamento do mérito pela mesma Corte Especial do TJPE, ainda sem data prevista.

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Embora seja uma tutela antecipada (que é uma decisão liminar, ou seja, provisória), a leitura feita pelo setor empresarial é de que é mais uma demonstração de que a legislação é inconstitucional e que não deverá se sustentar para ser colocada em prática

“O TJPE deu uma decisão que era de se esperar. A lei é inconstitucional a olhos vistos. Foi aprovada num período eleitoral, um mês antes das eleições municipais. É tanto que foi suspensa por unanimidade. Além disso, iria gerar um aumento de custo no sistema de transporte de R$ 0,60 e faria Pernambuco agir de forma oposta a todo o mundo: colocar cobradores quando todos estão saindo do ônibus”, afirmou o presidente da Urbana-PE, Fernando Bandeira.

O empresário reforçou os aspectos inconstitucionais da lei da dupla função. “Uma lei municipal não pode ser aplicada num sistema metropolitano. Quando o município do Recife delegou toda a gestão e operação do transporte público ao governo do Estado perdeu essa autonomia. Para que isso mude é necessário uma nova lei, aprovada na Câmara de Vereadores, que autorize o município a sair do Consórcio de Transporte Metropolitano”, acrescentou.

BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM - O Sindicato dos Rodoviários do Recife e RMR divulgou nota afirmando esperar que, independentemente da decisão liminar de inconstitucionalidade, a Portaria 167/2020 do CTM seja cumprida

RODOVIÁRIOS
O Sindicato dos Rodoviários do Recife e RMR divulgou nota afirmando esperar que, independentemente da decisão liminar de inconstitucionalidade, a Portaria 167/2020 do CTM seja cumprida. Além de ampliar a lei da dupla função para todas as linhas da RMR, a portaria determinava a volta dos cobradores em todo o sistema. A categoria tem assembleia marcada para esta quarta-feira (16), na qual deverá ser aprovada uma greve de motoristas e cobradores.

“Para além da Lei Municipal 18.761/2020 do Recife, em que há agora a polêmica sobre sua constitucionalidade e da qual esperamos que a Câmara de Vereadores e a Prefeitura do Recife recorram da decisão do TJPE, existe a portaria 167/2020 do governo do Estado, aprovada em audiência mediada pelo Tribunal Regional do Trabalho, que proíbe a dupla função do motorista não só no Recife, mas em toda a Região Metropolitana. O órgão regulador do transporte público, o Grande Recife Consórcio de Transporte, inclusive revendo decisão anterior, baixou uma portaria exigindo a presença do cobrador nos ônibus. Quem define a forma como operam os ônibus são o Grande Recife e o governo do Estado. Os rodoviários, assim como os usuários do transporte, esperam que a portaria seja cumprida e que acabem assim todos os transtornos causados pelo acúmulo de função do motorista”

 

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