Com informações da Agência Brasil
Os constantes, históricos e até abusivos aumentos da gasolina têm promovido mudanças positivas para o transporte público coletivo brasileiro. Pelo menos em Curitiba, a capital paranaense que também é a capital mundial do BRT - o sistema Bus Rapid Transit.
Estudo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR) comprovaram que, pelo menos por lá, muitas pessoas deixaram de se deslocar de carro e recorreram ao transporte público.
Segundo os cálculos dos pesquisadores, o sistema de BRT curitibano teve um aumento de 5 mil passageiros mensais cada vez que o litro da gasolina subiu R$ 0,10. A relação direta entre o aumento do combustível e a demanda de usuários dos ônibus foi publicada na revista Sustainability, referência internacional em pesquisas interdisciplinares sobre sustentabilidade ambiental, cultural, econômica e social.
O estudo reuniu informações relativas a um intervalo de dez anos. Dois modelos matemáticos foram criados e aplicados para analisar as variações no preço dos combustíveis, nas tarifas do transporte público, no número de passageiros e no volume de veículos nas ruas entre janeiro de 2010 e dezembro de 2019.
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Segundo o pesquisador Luis André Wernecke Fumagalli, do Grupo de Pesquisas em Cidade Digital Estratégica da PUC-PR e um dos autores do estudo, o custo tem influência direta na decisão sobre a forma de deslocamento.
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“As pessoas levam em conta diversos fatores quando definem como vão se deslocar. Entre eles, estão a duração da viagem, a segurança e o conforto. O custo também exerce influência determinante. Se os preços do combustível e da tarifa do transporte público ficarem estáveis, a tendência é que as pessoas mantenham sua opção", afirmou em entrevista à Agência Brasil.
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FORÇA DO BRT
As variações no número de passageiros foram apuradas a partir do histórico das seis linhas do BRT de Curitiba, que cruzam e conectam a capital paranaense em várias direções e representam quase 30% do total de usuários transportados diariamente na cidade.
O estudo revela que cada carro na rua representa, em média, 25 passagens a menos vendidas no transporte público da capital paranaense. Fumagalli observa que muitas pessoas fazem sua escolha conforme a situação de momento. "O proprietário não vende o carro e começa a andar de ônibus. Ele deixa na garagem. E aí, quando ele volta a achar que vale mais a pena usar o carro, ele para de se locomover por transporte público."
MOTOCICLETAS
Esse cenário, no entanto, geralmente não ocorre com o motociclista. De acordo com Fumagalli, aqueles que adquirem uma motocicleta tendem a não voltar a usar o transporte público. Diante desse movimento, o volume de motocicletas nas ruas vem aumentando consideravelmente. "Em Curitiba, isso se observa no dia a dia o tempo inteiro", afirma Fumagalli.
Por isso, o estudo está sendo usado pelos pesquisadores como um alerta embasado aos gestores públicos. Para Fumagalli, a partir dos dados levantados, é possível discutir melhores práticas para a administração pública, envolvendo, por exemplo, a alocação de recursos.
"O município precisa investir no transporte público, na estrutura viária, na gestão do trânsito para acomodar, por exemplo, as motocicletas. Com maior número de motocicletas nas ruas, normalmente, ocorrem mais sinistros de trânsito (não é mais acidente que se diz. Entenda a razão). No caso do transporte público, o número de passageiros é cada vez menor. E o serviço precisa ser viável economicamente", observa o pesquisador.
Ele ressalta que não se pode imaginar que tirar pessoas dos ônibus é bom. "Com menos passageiros, a passagem vai precisar ser mais cara para manter o funcionamento do transporte público. E carro demais também é problema, porque passa a ter muito engarrafamento."
BICICLETAS
Para permitir o aprofundamento das análises, o estudo terá continuidade e a próxima etapa pretende incluir as bicicletas na equação. De acordo com Fumagalli, a bicicleta é uma solução ecológica e sustentável do ponto de vista ambiental, mas a ampliação das ciclovias pode acabar gerando impactos sociais e econômicos, se resultar, por exemplo, na subtração de passageiros de ônibus. "O desafio do gerenciamento é encontrar uma união ótima entre o ônibus, o carro, a bicicleta, que se complementam", conclui.